quarta-feira, 22 de agosto de 2018

                                 HISTÓRIAS





Ouço histórias em toda parte.
Todos tem histórias para contar.
Problemas, dramas, confidências...
Nas ruas, nos botequins,
na fila do banco, nas redes sociais.
Que transformaram o mundo 
num grande confessionário,
em que a penitência é ouvir as mazelas alheias

Ouço histórias em toda parte. 
De todos os tipos.
Ninguém se peja de nada.
Soltam o verbo, abrem o coração, choram as mágoas.
Basta que alguém se disponha a escutar.
Ainda que ninguém na verdade escute.
Todos imersos e voltados para o próprio umbigo.
Todos carentes, perdidos, desesperados
por um ombro amigo.
Alguém para desabafar.
Falar das insatisfações que se avolumam.
Das agruras dos relacionamentos.
Das atribulações no trabalho.
Das contas que nunca acabam.
Das aspirações, dos sonhos sempre adiados...

Todos temos histórias para contar.
Fardos que carregamos e ansiamos
ter com quem compartilhar.
Ainda que quase sempre para ouvidos moucos.
Pois ninguém está interessado em ouvir.
Ouvem por ouvir, dão de ombro.
Entra por um ouvido e sai por outro...
O que era mesmo o que você estava dizendo ?

Há um senhorzinho no prédio onde moro que fala 
pelos cotovelos.
A voz tonitruante contrasta com a magreza de um junco.
Contou-me, todo ancho, ter 86 anos.
E que viuvou recentemente, depois de 60 anos de casamento.
Era para estar baqueado, depois de ver a mulher morrer
à sua frente, num ataque fulminante do coração, 
em pleno almoço dominical. 
"Não deu para fazer nada", lamenta, resignado mas altivo, 
enquanto espera na fila da padaria. 
Ter uma plateia para ouvi-lo, ainda que por um instante,
é tudo que ele precisa.
Uma plateia, por menor que seja,
que lhe dedique um mínimo de atenção.
Animado, seu João, que é como se chama, 
puxa assunto com um e outro. 
E quando não há mais ninguém,
sobra para os funcionários da padaria.
Que pacientemente ouvem as histórias de sempre.
Das quais sempre se riem, respeitosos, por reconhecer
o valor daquele velho que se recusa a esmorecer.
A entregar os pontos.
Como acontece com a grande maioria das pessoas.
Mesmo jovens que se cansam de viver.

Que figura, o sr João, com sua disposição invejável
e voz de barítono.
Que gosta de entoar arias e boleros
como já não se fazem mais nesse mundo banalizado.
Um mundo de histórias tristes, de lamentações 
e desgraças.
Uma pior que a outra.
Dramas pessoais, existenciais, 
privaçõesdecepções amorosas.

Histórias corriqueiras de vida que um enfarte, 
um câncer sorrateiro,
ou qualquer outra dessas fatalidades corriqueiras, 
transformam em ninharia.
Seu João que o diga...









Nenhum comentário:

Postar um comentário

Postagem em destaque

                      o palhaço da Criação Justiça seja feita à espécie humana : não há nada mais tosco e degenerado na Criação. Filho enjei...