quinta-feira, 17 de janeiro de 2019

                     

                    fere a alma o grito-punhal




Num átimo percebi o que o Corvo quis dizer,
quando disse - nunca mais, nunca mais !
No negrume da noite vazia, no limiar da perda irreparável,
cujo propósito desponta apenas ao cumprir-se,
a visão insólita - anjo ou demônio em forma de ave preta. 
Das trevas emerge o juízo essencial e exato  : siga em frente, 
tarde se faz.
O bordão da desesperança não carece mais entoar.

Nada faz sentido, e tudo faz sentido.
Até o pássaro negro e agourento de Poe, expressão 
legítima de pesar.
Morte de toda uma vida, que era a vida que se tinha.
Bem-vivida e desperdiçada, cujo santuário diviso 
sobre o promontório dos dias ocos que se sucedem.
Horas plúmbeas que precedem o torvelinho do naufrágio.
O coro perpétuo do teu altruísmo, renúncia de si mesmo.

Adiante, em meus umbrais ninguém bate,
ninguém sussurra - nunca mais, nunca mais...
Hipóteses e conjecturas já não cabem, esgotado 
o tempo de libações.
Teu veredicto é fatal. Morte. Morte em vida.
Lancem-se à fogueira inquisitória todos os resquícios 
dos prazeres e pecados.
A alma liberta assim o exige. Culpa e expiação.
Para teu bem-estar, declaro-me culpado.
Aqui, passado e futuro se separaram. O presente 
é a terra prometida.
A mercê de forças desconhecidas, nós, ctônicos, livraremos 
a vida do jugo do tempo desperdiçado .
Fere a alma o grito-punhal :
- nunca mais, nunca mais !

Que o nostálgico pesar nos faça companhia.
Dias alciônicos serão o marco-zero de um novo rumo.
Não poderemos pensar "o passado passou", alheios
ao iracundo amor gestado 
como um grito de júbilo sobre a morte.
Quiçá ungido dessa impermanência que ultrapassa o tempo.
A súbita iluminação revivida, ao saber 
que os momentos de agonia acabaram.
Xô, Corvo, vá atazanar outro pobre diabo !
Ao sagrado fundamento que ora abjuramos, regressa.
A seu real proprietário -  a juventude perdida - bata à porta.
Enquanto apresto-me rumo à redenção, escavando 
as trilhas da penitência.
Ausente todo pesadume do passado
ao grasnar da ave estúpida :
- Nunca mais, nunca mais!


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