terça-feira, 5 de março de 2019



                                     coerência

 





Não me cobrem coerência.
Não me peçam comedimento, equilíbrio.
Não esperem de mim o que não posso dar.
Sou o que sou. 
Incoerente, instável, impulsivo, e outros bichos mais.
Só não finjo. Não disfarço. 
Não finjo que não é dor 
a dor que deverasmente sinto.

Não me arvoro em dono da verdade.
Sequer dono da minha verdade sou.
Que muda ao sabor dos sentimentos.
Das mágoas, remorsos, desilusões.
Não choro a mocidade perdida, posto que bem vivida,
mas os sonhos abortados,
os amores fracassados. 
Feridas que não cicatrizam.
O tempo fluiu sem dor, 
até a evasão de tudo que fazia 
a vida valer a pena.

Não, não me cobrem coerência,
comedimento, 
agora que tudo é apenas um eco,
e o próprio amor se desconhece e maltrata.
Aspirando o fel e a indiferença daquela que tão bem soube
disfarçar o seu desamor.
A rosa do amor despetalou-se, na memória todavia permanece
o que os olhos não viam.
Em meus versos engastados na desrazão 
dos sentidos mutilados,
as angústias sofreadas ardem no estridor de coisas novas.

Bem sei que o findar do meu tempo se aproxima.
Maduramente, repenso meus atos,
e um desejo de ser mais do que sou emerge 
em meio ao sofrimento seco,
já sem lágrimas e lamentos.
Esgotada a vontade de amar, esgotou-se tudo. 

Ironicamente, 
nunca estive tão lúcido.
Porque não são mais os sonhos que me guiam.
Soam vãos meus versos epicuristas. 
Giram, a tangenciar a razão.
Compreender deixou de importar. 
Pois tudo é enganoso nesse mundo confuso.
Da imperfeição da vida, 
nasce o ideal de um viver doce e fluído,
em que só o que faz sentido
é o desconhecimento das coisas e de si próprio.


  















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