domingo, 2 de junho de 2019



                             dona Martha



"Olha, filho, não bastasse a gente saber que se tornou um estorvo, sem serventia alguma, é triste se ver descartada da vida que era a sua vida, como se fosse uma roupa ou objeto velho. Por pessoas que são a sua família, para as quais você se doou e se dedicou enquanto teve forças. E que agora, mal se lembram de você. Talvez achando que já estão fazendo muito ao manter você num lugar como este. Esquecendo do principal, atenção, o calor humano."

Nas imediações do shopping Praiamar, há algumas moradias adaptadas para abrigar idosos, as chamadas casas de repouso, ou Home Care, e outros eufemismos para o que no jargão popular conhecemos como asilo. Na rua em que costumo estacionar, há uma até bem bem bacana, um sobrado grande e moderno em que me habituei a ver os velhinhos sentadinhos no grande corredor que servia de garagem da residência. Muitas coisas me passam pela cabeça ao vê-los assim, quietinhos, olhar perdido, em que estariam pensando ? Como estariam se sentido ?
Pois outro dia não resisti, e ao ver uma senhorinha miúda, o cabelo quase todo embranquecido mas bem cuidado, distraidamente apoiada no portão de entrada, segurei suas mãos e perguntei : tudo bem com a senhora ? 
Ela se assustou, mas em seguida esboçou um bonito sorriso, e respondeu : "sim, está tubo bem. Olhando um pouco o movimento, para me distrair".
Não foi difícil engatar uma conversa com ela, ainda mais lúcida e simpática como se mostrou dona Martha, o sobrenome esqueci. Falou que estava ali há 3 meses, que era bem tratada, não lhe faltava nada, exceto a antiga vida, o convívio familiar, conforme seu desabafo acima. 
De nossa breve conversa, interrompida por uma atenta cuidadora, não pude deixar de me ver como forte candidato a passar por algo parecido, num futuro não muito distante.  A menos que eu tenha a sorte de seu lobo chegar antes.







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