quinta-feira, 20 de junho de 2019




               O OLHAR DO POETA


"É um mundo vertical : uma nação de pássaros, uma multidão de árvores... Tropeço em uma pedra, escarvo a cavidade descoberta e uma aranha imensa de pelo vermelho me olha fixamente, imóvel, como um grande caranguejo... Um besouro dourado me lança sua emanação metífica enquanto desaparece como um relâmpago seu radiante arco-íris... Ao passar, atravesso um bosque de abetos muito mais altos do que eu; caem no meu rosto sessenta lágrimas de seus verdes olhos frios e atrás de mim ficam por muito tempo agitando seus leques...Um tronco podre, que tesouro ! ... fungos negros e azuis deram-lhe orelhas, plantas parasitas vermelhas cobriram-no de rubis, outras plantas preguiçosas emprestaram-lhe seus filamentos e brota, veloz, uma cobra de suas entranhas podres como uma emanação, como se do tronco morto lhe escapasse a alma... Mais adiante cada árvore se separou de suas semelhantes...Erguem-se sobre a alfombra da selva secreta, e cada uma de suas folhas, linear, encrespada, ramosa, lanceolada, tem um estilo diferente, como cortada por uma tesoura de movimentos infinitos...Um barranco; a água transparente desliza sobre o granito e o jaspe...Voa uma mariposa pura como um limão, dançando entre a água e a luz...A meu lado as carceolárias infinitas me saúdam com suas cabecinhas amarelas...Lá no alto, como gotas arteriais da selva mágica, vergam-se as liliáceas vermelhas...Num tremor de folhas, a velocidade de uma raposa atravessa o silêncio, mas o silêncio é a lei destas folhagens...Ao longe, o grito distante de um animal confuso...A intersecção penetrante de um pássaro escondido... O universo vegetal apenas sussurra até que uma tempestade ponha em ação toda a música terrestre."


Aos olhos de uma pessoa comum, um simples, tedioso e até assustador bosque. 
Aos olhos do poeta, um mundo cheio de belezas, surpresas e encantamento.

(Descrição de Pablo Neruda de um bosque chileno de sua infância - "daquelas terras, daquele barro, daquele silêncio, eu saí a andar, a cantar pelo mundo"). Prefácio do livro autobiográfico, Confesso que Vivi.



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