sábado, 7 de dezembro de 2019
arapucas
Sim, é inevitável,
há momentos cruciais
em que a vida dá uma guinada.
Como quando você descobre que não é
mais importante.
Que deixou de ser o cara.
Que passou a ser apenas uma figura decorativa,
um simples provedor,
marido distante,
pai ausente.
E de quebra, um farsante, sujo, descartável.
É o que te jogam na cara, numa certa hora fria,
como se a memória estivesse anestesiada.
Como se as coisas tivessem meramente acontecido,
nebulosas, frágeis, tartamudas,
não deixado nada além de queixas,
mágoas escamoteadas.
Ressentimentos que de repente vêm à tona,
em função de uma dessas arapucas da vida.
E eis que você se vê repentinamente
despojado de tudo,
deslocado no tempo, sem nada que possa fazer,
posto que impotente, vencido,
útil apenas para arcar com as obrigações de praxe.
Sim, o momento crucial em que tudo muda,
um dia chega.
A medida que se envelhece, os sentimentos,
tudo aos poucos desaparece.
Rápido é o sonho,
cruel o despertar.
E o eu que paira sem ser tu,
deslocado na nova realidade com que estoicamente
se defronta,
se entrelaçam para ser alguém
que tece sua própria mortalha.
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