quinta-feira, 27 de agosto de 2020


                              o tamanho da nossa fé





a nossa fé, como anda ? Há sempre tanta gente falando em Deus, invocando o seu santo nome em vão, que fico me perguntando : até que ponto vai essa fé que tantos alardeiam e dizem possuir ? Não essa fé de araque emanada de certos cultos ditos evangélicos, cevados por dízimos que enriquecem seus gurus espertalhões, mas aquela força interior capaz de mover montanhas, mesmo metaforicamente falando. Capaz de resistir as adversidades e as tentações sem se desviar dos ensinamentos de Cristo. Quantos de nós efetivamente caminhamos dentro dessa linha ?

O problema é que não se trata apenas de crer, de fazer o bem, procurar ser justo, comportar-se de maneira a sustentar a crença de ser um bom cristão, e consequentemente, na força de uma presumível fé. Digo presumível porque a fé tal qual conhecemos hoje em dia, é muito mais da boca para fora do que legítima. E muito menos à toda prova. Basta ver a facilidade com que os mandamentos são transgredidos, e o que é pior, até mesmo por aqueles que se apresentam como porta-vozes do reino celestial. Talvez porque basta se arrepender que Deus perdoa, não é o que ensinam para a gente ? Resta saber até que ponto realmente nos arrependemos dos males que praticamos, das mentiras, traições.

Longe de mim desdenhar das crenças alheias, e muito menos da fé. Ao contrário, sou é muito grato por nunca ter passado por situações extremas, por desgraças e tragédias cujo único amparo e consolo foi exatamente a força interior oriunda de algum tipo de fé. Que é quando, efetivamente, mais clamamos por Deus. Não só para ter forças para seguir em frente, como pela esperança da prometida recompensa de uma nova vida no Paraíso. O que explica que o cristianismo tenha florescido exatamente sob as piores condições, em meio aos horrores perpetrados pelos imperadores romanos após a crucificação de Cristo, com o agravante de terem sido quase todos loucos sanguinários. 

Esse aspecto intrigante de se fortalecer justamente nos piores momentos, acabou sendo a grande mola-mestra da vertiginosa expansão do cristianismo, ainda que sob o impiedoso domínio do império romano. Cuja repressão à novidade originou algumas das páginas mais brutais da beligerante história da humanidade. Entre as quais, trechos de uma carta escrita pelo imperador romano, Septímio Severo, que reinou de 192 à 211 DC, a um certo Flávio, e cujo teor dá o que pensar. Não só por referendar a natureza quase sobre-humana da fé dos convertidos à nova religião que viria a se espalhar por todo Velho Continente, como do incômodo parâmetro que representa para os crentes nestes tempos tão promíscuos. Mais especificamente, sobre o tamanho dessa fé que naqueles tempos, impressionava até mesmos os carrascos mais impiedosos. Como atesta a tal carta, que passo a reproduzir, em transcrição livre :


"Uma espécie de gente muito peculiar anda por aí a encontrar-se às ocultas, recusam-se a reverenciar os deuses oficiais, não saúdam os Césares quando passam. Diz-se que  adoram uma divindade estranha e praticam ritos curiosos. O imperador Cláudio mandou prender milhares deles para dar de pasto aos leões no Coliseu. Nero foi mais longe, mandou enfiá-los em estacas e cobrir suas vestes de breu e piche, para vê-los desfilar pela cidade como tochas ardentes.

 Enquanto nossos imperadores experimentavam profundo prazer em torturar e matar homem, mulheres, crianças, aquela gente suportava tudo silenciosamente, sem esboçar qualquer reação, a não ser balbuciar súplicas a um misterioso espírito que paira sobre eles e lhes dá coragem para suportar os piores sofrimentos. De tal maneira que acredita-se que sejam encantados para morrer assim tão bravamente.

E por incrível que pareça, ó Flávio, cada vez mais romanos procuram esses cristãos para livrarem-se dos excessos dos Césares e ingressarem num império maior e mais poderoso que o romano, segundo dizem. Fazem isso enquanto dividem entre si pão e vinho, e cochicham estranhas orações.

Ainda ontem uma nova leva dessa gente foi lançada aos leões. O odor de sangue e das entranhas dilaceradas logo tomou conta da arena que havia sido banhada de perfumes árabes. O espetáculo era repugnante, contudo exercia um efeito mágico sobre os espectadores, muitos deles adentraram a arena para se juntar aos cristãos devorados pelas feras. Que poder, humano ou divino, é capaz de tal coisa, responda-me meu caro Flávio ? Que fenômeno extraordinário é este que faz com que seus seguidores se multipliquem, mesmo com tantos morrendo devorados ou queimados vivos em estacas ?

Quero crer que a reposta a essa pergunta que ecoa através dos séculos, está dentro de cada um de nós. Ao tamanho de nossa fé. Inevitável não se perguntar qual seria a reação dos cristãos de hoje em dia diante da perspectiva de enfrentar as atrocidades tão comuns daqueles tempos. Difícil, né ? Minha única certeza é que nada do que passamos, por pior que seja, se assemelha àquilo e ao mar de dor e sangue em que a humanidade sempre esteve mergulhada. 

Se não serve de consolo, que ao menos nos sirva para refletir e não fazermos drama à toa.



 


  


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