quinta-feira, 24 de dezembro de 2020


                                                 diário



               


Meus versos são um arremedo de mim. 

Não obstante o entendimento confuso do mundo,

escrevo o meu diário como um Endimião à luz da própria

ruína.

Ao pé do cadafalso, oferecendo à pedra a flor fecundada,

as coisas possuídas mais indecifráveis do que nunca.

Nos dias que não se resolvem, vemos o que não vemos.

Nas infinitas variações do tempo que se esvai

sem glória,

elidindo o disfarce perfeito.

Meu corpo, embrulhado em vestes cotidianas, cambaleia como

um pugilista cansado : já não há pelo que lutar.

Mas o mistério das coisas continua, porque não podem

senão continuar. 

Como um jogador dostoievskiano

cujo crime e castigo é continuar jogando.

Como um soldado condenado a guerrear.

Sem direito a paz.

Tenho olhos mas estou cego. 

No teatro da vida, tudo é partido. Tudo se parte além

do palco.

O coração ardente com o tempo esfria.

Antes não precisasse justificar o que me fere.








    

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