diário
Meus versos são um arremedo de mim.
Não obstante o entendimento confuso do mundo,
escrevo o meu diário como um Endimião à luz da própria
ruína.
Ao pé do cadafalso, oferecendo à pedra a flor fecundada,
as coisas possuídas mais indecifráveis do que nunca.
Nos dias que não se resolvem, vemos o que não vemos.
Nas infinitas variações do tempo que se esvai
sem glória,
elidindo o disfarce perfeito.
Meu corpo, embrulhado em vestes cotidianas, cambaleia como
um pugilista cansado : já não há pelo que lutar.
Mas o mistério das coisas continua, porque não podem
senão continuar.
Como um jogador dostoievskiano
cujo crime e castigo é continuar jogando.
Como um soldado condenado a guerrear.
Sem direito a paz.
Tenho olhos mas estou cego.
No teatro da vida, tudo é partido. Tudo se parte além
do palco.
O coração ardente com o tempo esfria.
Antes não precisasse justificar o que me fere.
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