terça-feira, 7 de setembro de 2021


                         carnificina





A carne de janeiro tem o sabor suicida

das coisas a serem vividas,

porém já perdidas.


A carne de fevereiro tem o sabor da volúpia

dos recomeços de quem vive

brincando com a sorte. E com a morte.


A carne de março tem o sabor do sexo

das meninas violentadas e precocemente 

emancipadas.


A carne de abril tem o sabor da mesmice 

de dias devorados

por máquinas autônomas e customizadas.


A carne de maio tem o sabor das tardes

luminosas que se precipitam no abismo

de cidades conflagradas e fétidas.


A carne de junho tem o sabor 

do tempo sem tempo em que nada sucede

além do engano.


A carne de julho tem o sabor de sóis trenspassados

de áspera luz e primaveris cinzas

das florestas dizimadas pelo homem.


A carne de agosto tem o sabor venenoso 

do ouro que impregna os rios de chumbo.


A carne de setembro tem o sabor das lembranças

que não oferecem nada, além de domingos cruéis

e grandes viagens em estradas vazias.


A carne de outubro tem o sabor ardido das decepções

e dos fracassos, de um tempo que se apagou

mas que continua doendo.


A carne de novembro tem o sabor da vida que não

muda. De um mundo que não quer mudar.

Murchando, apodrecendo como legumes

que ficam sem vender.


A carne de dezembro tem o sabor do mel

que é fel. Do afeto que trai. 

Do abraço que aprisiona.

Do amor que era pouco e se acabou.



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