domingo, 1 de setembro de 2019


                          PERDAS E GANHOS








Não trago mais nenhuma certeza.
Assim como qualquer ilusão. 
Aprendi a lidar com as coisas que
foram derretendo em mim, como torrões de sal.
Sonhos, crenças ingênuas
que em sua conjectura distraída,
não são como arquitetamos. 
São o que não são. 

Querer, pensar, imaginar,
não passam de meros exercícios mentais
que a realidade teima em sabotar.
O amor que foi sem nunca ter sido.
Sentimentos que se tinha como invioláveis, 
resumido a momentos, quimeras.
Na fuga de tudo que um dia fez sentido.

É neste ponto sem volta que encontra termo
o caprichoso enleio.
Mas que não pára por aí.
A revelia, ventos antigos varrem as dores esquecidas.
Às vezes não tão forte, mas não debalde.
O suficiente para os arrabaldes
da alma se recomporem.
O cansaço sem dor já  não semear amargura.
Ainda que uma certa tristeza seja inevitável.  
Em noites de chuva, madrugadas insones
que ensinam do tempo passado desapegar-se.
A refazer as forças ao fim das batalha perdidas.

Perdas não necessariamente irreparáveis. 
Momentos após momentos, as despedidas são
permanentes, 
mas a explosão ingênua dos desejos continua.
Tempo de saber que os enganos vingaram,
e a raiz da vida ficou mais forte.
O tempo das despedidas é o tempo dos reencontros.
Despedimo-nos das certezas, 
refeitos no fato de que cada instante é diferente.
Que a vida é como uma planta que se refaz
enquanto a gente dorme. 



























sábado, 31 de agosto de 2019



                 vagaba



Mulher fatal, 
cruza meu caminho.
Linda.
Banal.
Promíscua.
Vulgar.

Não obstante sedutora,
ardente,
o estereótipo vigente.
Capaz de tudo, menos se entregar.
Coração blindado, 
é só o que não 
consegue dar.

Vagaba, desbocada,
não quer nada com nada.
Não faz nada de graça.
Menos mal 
que não disfarça.
Tudo tem seu preço.
Quer, quer; não quer, passe bem.
É pegar ou largar.

Às vezes eu pego.
Às vezes eu largo.
Prefiro assim. 
Cartas na mesa.
Mil vezes o jogo aberto das vagabas,
ao faz de conta que impera
quando o amor definha, 
e no marasmo acaba.







5










                            ASSERTIVAS







O que não tem conserto, não tem remendo
que dê jeito. 

Juras, promessas, quando em nome do amor, 
não tem valor.

Ninguém admite, mas no fundo, o que mais há 
é quem acenda uma vela à Deus, e outra ao diabo.

O diabo tem mil disfarces, um para cada ocasião. 
E ocasiões não faltam.

O amor, ah, o amor. Quando não acaba, acaba com a gente.

O amor é como uma cegueira temporária, 
e mesmo quando passa, costuma deixar sequelas irreparáveis.

O homem não é confiável nem quando dorme. 
Trai até em sonhos.

































                            

                         entrega, nunca mais







  


A vida sempre surpreende.
Quase sempre para pior.
Malogros, frustrações, 
é o que mais há.
Ninguém dá ponto sem nó.
Acreditar, confiar, 
é pedir para cair do cavalo.

Amargo decepções recorrentes,
mas não me faço de vítima.
Posto que consciente de meus atos.
Acredito, confio, 
quebro a cara e não aprendo.
Não posso reclamar.
Tenho o que mereço.

Amar quem não me ama
é o de menos.
Enquanto ciente.
Sabendo onde piso.
Blindar o coração, viver intensamente
o presente,
é o que me cabe.
Entrega, nunca mais. 













quinta-feira, 29 de agosto de 2019




                         toma lá-dá-cá








Evocar o passado não é  desdouro.
Às vezes é tudo o quê se tem.
Quando se teve uma vida boa, 
Coisas que valeram a pena viver. 

Vai do quê fazer com as lembranças.
De como conviver e lidar com elas.
Não deixar que se transformem num fardo.
Sufocar de mágoa e arrependimentos.

Não, não é fácil deixar tudo para trás.
Perder, romper com laços afetivos.
No entanto, é preciso ponderar e aceitar, 
pois assim é o toma-lá-dá-cá da vida.

Menos mal quando as coisas boas se sobrepõe.
Quando o que foi vivido conforta e consola.
E se pode encontrar no passado 
Força e paz de espírito para seguir em frente.  




quarta-feira, 28 de agosto de 2019



                                                                   LIDA






Às vezes é preciso 
O bicho pegar
A cobra fumar
O pau quebrar
A batata assar
A cuíca roncar
A casa cair
O caldo entornar
O laço apertar
O cu da cotia assoviar
A onça beber água
A canoa virar
A porca torcer o rabo
A vaca tossir
A rosca espanar
Ladeira abaixo despencar.

E se isso ainda não bastar 
Para cair na real
Tomar tenência 
Criar juízo 
Melhor mesmo se internar 
Ou meter uma bala na cabeça 
Que assim tudo de resolve
Não se amofina.
Nem os outros aporrinha.

















terça-feira, 27 de agosto de 2019


             
                  nobre legado








Fecho os olhos e ainda vejo o rio poderoso e turvo.
Matas repletas de pássaros, os arrozais.
Meus dois cachorros, Kalu e Respeito, 
anjos da guarda da minha infância.
O internato aos seis anos, as missas na igreja Luterana.
O imponente morro do Agudo ao fundo.
Bailes na colonia e adjacências, pescarias no Jacuí ,
banhos de arroio, 
os primeiros namoricos. 
E memoráveis férias de fim de ano,
reunindo a numerosa família dos Berger, dos Roos.
Ah, as gaitadas...
Com direito a concursos de peido, o mais fedido e o mais estrondoso...
Ah, sim, a chegada do indefectível Papai Noel - meu primo 
Ernani à caráter, 
a molecada desconfiava mas não tinha certeza.
Luzes apagadas, apenas a enorme árvore natalina 
tremeluzindo, o tannenbaum cantado assim mesmo, 
em alemão.
Enfim, hora dos presentes, não sem cada um
recitar algum verso natalino, o capetinha aqui sapecando 
o infalível "kleine known, grossen known, der weihnachtsmann 
at der arschloch brechen".
Neim, neim, neim, se ria a não mais poder a grossmuther, 
mãe, avó, inesquecível matriarca dos Berger, 
com seus seis filhos, Arnaldo, o mais velho, 
meu pai Engelhart, Bernardo e Orlando, 
as gurias, Onira e Lolita.
Vô Rodolfo não conheci, morreu cedo, aos 56 anos, câncer no estômago.
E havia já então uma numerosa prole de netos, 
hoje em dia, mais de meio século depois, também 
com filhos e seus próprios netos, 
dispersados por esse mundão afora,
com a sagrada missão de honrar 
e perpetuar tão nobre legado.


Igreja Luterana de Agudo.



O imponente morro do Agudo

Postagem em destaque

                          o quanto sei de mim Faço do meu papel o lenho da minha cruz.  Cavalgo unicórnios a passos lentos, para que o gozo...