domingo, 29 de setembro de 2019
MOINHOS DE VENTO
Breves e pequenos momentos.
Breves e pequenas alegrias.
Breves e pequenas compensações.
É tudo que a vida nos reserva.
Alegorias. Fantasias. Não faz diferença,
posto que tudo breve e efêmero.
Há que ter consciência da transitoriedade de tudo.
Reter o essencial. A essência.
Antes que o tempo se esgote.
Que seja tarde.
Você sabe,
o caminho do aprendizado é tortuoso.
As transições, os moinhos de vento,
há que estar preparado para as mudanças,
os excruciantes desafios.
Saber entrar e sair de cena.
Saber o tempo de cada coisa.
Não procrastinar quando acaba,
para não estragar o que foi bom
enquanto durou.
sábado, 28 de setembro de 2019
velha e desaparecida amiga
Cantamos o amor.
Louvamos as amizades,
os laços familiares.
Certamente, sentimentos nobres,
que nos humanizam.
Porém, nem por isso à prova de tudo.
Sequer duradouros.
Notoriamente, os vínculos afetivos são os que
mais sofrem
nesses tempos fluídos.
São tantos os apelos e distrações
que desaprendemos a amar,
a confiar.
A nos doar com a devida intensidade.
Justamente, pela falta
do sentimento mais sublime.
O alicerce de todos os outros.
A capacidade de se por no lugar do outro.
E mais do que isso, sentir,
tomar as dores
e aflições alheias como se fossem suas.
Sim, nossa velha e desaparecida amiga,
empatia.
A atemporal centelha que nos faz
verdadeiramente humanos.
Menos imundos.
sexta-feira, 27 de setembro de 2019
como pode, como pude?
que o amor e os relacionamentos
acabem,
parece tão absolutamente normal
que sofrer é tolice, [um desperdício].
pense, não vale a pena,
quase sempre não justifica.
se acabou é porque não vale a pena [sofrer].
pois o que vale a pena não acaba.
não assim,
do nada, a troco de nada.
além do mais, ficar sozinho não é tão ruim.
até para variar, sair da mesmice.
de repente, aquilo que parecia único, [insubstituível],
deixa de ser.
e nos perguntamos : como pode, como pude ?
tanto tempo perdido.
portas que se fecharam.
é quase de se alegrar, [comemorar].
somos todos doentes.
quarta-feira, 25 de setembro de 2019
sobrevida
Nesse mundo,
ninguém escapa de se ferrar de algum jeito.
De ser ferido, ferir alguém.
Dificilmente haverá algo mais triste do que
ser mandado embora de casa.
Uma floresta em chamas, talvez.
Mas eu não ligo, quero que o mundo se dane.
Eu morri num domingo à tarde, logo após o almoço,
mas ninguém notou.
Meu filho jogava vídeo-game no quarto.
Minha mulher, lavando louça na cozinha,
ao mesmo tempo em que falava com a amiga
no watts ap. Horas à fio.
E meu corpo ali, esfriando,
jogado no sofá, com direito à fundo musical - era meu
programão dominical.
Por um tempo levei a vida assim, paralisado,
mumificado,
até que um dia minha mulher mexeu no meu celular
e achou uma ligação perdida suspeita.
"Eu sabia ! Você continua saindo com putas.
Arruma suas coisas e pode sair, ou saio eu.
E levo meu filho comigo e nunca mais vai nos ver".
Assim mesmo, na bucha, categoricamente.
Bom, para quem já estava morto mesmo, de aviso prévio,
não fez
muita diferença.
Peguei alguns trapos
e me mandei.
E desde então, ganhei uma sobrevida,
Vê se me entendem, eu estava morto
na minha antiga vida, e não sabia.
Era um estranho no ninho na minha ex-casa,
Onde um pardal era só quem ligava para mim.
Que também morreu, logo depois que eu sai.
Fui esculachado, humilhado, descartado.
Menos do papel de provedor.
Mas faz parte.
Estamos condenados a arcar com as triviais
e imensas tarefas que assumimos.
Todavia, tudo seria mais fácil
se nos fosse permitido
um ínfimo sentimento de gratidão e reconhecimento.
Um consolo para os momentos
em que a sensação de perda, colapso, faz tudo parecer desperdiçado.
Miseravelmente inútil.
terça-feira, 24 de setembro de 2019
saco de pancada
Nunca pensei que isso me aconteceria.
Nunca pensei que isso me aconteceria.
Nunca pensei que isso me aconteceria,
É a frase que mais tenho repetido ultimamente.
Bordoada atrás de bordoada.
Depois de velho, virei saco de pancada.
Das pessoas, da vida.
O velho safado do Bukowski tem razão,
"o processo de viver é curto demais e longo demais
longo demais para os velhos que nunca descobrem
curto demais para os velhos que descobriram
prematuro demais para os jovens que nunca sabem
excessivo demais para os jovens que descobrem."
domingo, 22 de setembro de 2019
bukowski & quintana
O gorjeio no melro de minha noite
Depois que é o corpo arremessado sobre o cais
do sono
Quem poderá dizer o que é feito de sua alma milenária ?
Por entre respiração de pechblenda
Acaso
Ajunta-se às demais no primitivo abandono do mundo.
E que os condados aumentem seus impostos
Acossada em grutas, em profundas florestas
E o lenhador sinta coceiras em seu sono
Onde se desenrolam imensamente as serpentes
Gorjeio no merlo de minha noite
E arde em silenciosa brasa o olhar fixo das feras ?
E que os exércitos se vistam para dançar
Nas ruas, e garotinhas
Beijem as frutas que enchem suas barrigas
Ou prostam-se ante os deuses bárbaros
Com seus látegos de raios
Gorjeios de merlo da minha noite
A seus pés de pedra imóveis e pesados como montanhas ?
Esgote os seus verões em grunhidos e gemidos
belisque os caules dos lírios quando
O coração do câncer queimar o amor
Ah, leva então muitos e muitos séculos até que a madrugada
Feita do cricrilar dos derradeiros grilos
O gorjeio no merlo na minha noite
Gorjeio na nota
Das cabeleiras úmidas e pendidas dos salsos
Meu país é alto para cair
A ferrugem dos dias
De Moscou a Nova York
Até que a mão da madrugada afague
Acrescenta um terror de horas
Mas não reclamo
Suavemente as feições do adormecido
à deriva
Os dez mil beijos
Ou os paus e as pedras
Ou Roma quebrada
Sim ! À noite, as almas deste mundo
Vagam em alcateias como lobos
Mas espero a sua nota
O medo as traz unidas e ferozes
E só uma ou outra - a minha ? - as vezes solitária, fica...
Meus dedos arranham
A mesa iluminada do sol
- Olha ! Aquele negro, aquele enorme cão
Uivando para a lua.
Pense em dois estilos antagônicos, duas visões distintas de realidades díspares, um cru e lacônico, o outro lírico e contemplativo, aparentemente tão diferentes e incompatíveis quanto água e azeite.
Pois assim é a poesia de Charles Bukowski e Mario Quintana, o primeiro como se escrevesse com uma pedra na mão, e o outro, com uma flor. Mas em se tratando de poetas de primeira grandeza, e entre os meus favoritos, só de brincadeira intercalei os versos de dois de seus poemas mais conhecidos - Gorjeio No e Alma Perdida - e não é, ambos meio que se locupletam ?
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