sábado, 16 de maio de 2020




                                     das cinzas outra forma toma






Não obstante as rebordosas,
os percalços,
os mil disfarces que assume,
a vida é boa,
a vida pode ser boa.
Conquanto o destino permita,
não botemos tudo à perder.

Ainda que sujos, doentes, volúveis,
somos predestinados à amar.
Mesmo os desafortunados
tem dentro de si a centelha do amor.
Que pode reverberar a qualquer instante,
ou deambular para sempre 
nos confins da alma. 

Erma e vazia é a vida
dos que não sabem amar.
Não conseguem amar.
Nem a vida, nem ao próximo.
Entregar-se de corpo e alma a uma paixão.
Sentir o coração pulsar freneticamente
diante da beleza inebriante da entrega.
Ou do sofrimento alheio, o que 
é ainda mais belo.

A vida que concebemos é a vida que 
merecemos.
Se ao longo do caminho nos perdemos,
e  amar desaprendemos,
ou o amor negligenciamos,
nada nos salva da futilidade trágica da vida.
O imaculado e imperfeito amor,
que no ressecamento dos sentidos,
incapaz de resistir ao tempo,
como tudo que é humano,
adoece, 
perece.
Das cinzas outra forma toma.  







sexta-feira, 15 de maio de 2020


                         


                     SINFONIAS DE EUS






Há várias versões de mim 
me precedendo.
A farsesca, a melodramática, a performática,
a beligerante...
A verdadeira não sei onde foi parar.
Nem sei direito como é.
Talvez um pouco de cada.
Pois sou isso tudo, e um pouco mais.
Não propriamente falso, dissimulado, 
como muita gente que conheço,
e das quais tenho horror.
Mas versátil, eclético. 
Eu e meus heterônimos.
Alguém tão complexo que não sabe
ser só uma pessoa.
Que faz drama, sonha, ama, briga.
Alguém que se desconhece, 
que ninguém à fundo conhece. 
Que ora se revela, ora se recolhe,
tão habitual e rico de pungência
que só existe prelibando,
agônico, alciônico,
na própria imaginação.

Eu,
sinfonias de eus,
aquarelas de ser,
esquírolas de consciência
à tatear o caleidoscópio da existência.
























quarta-feira, 13 de maio de 2020





                                           beleza terminal



                  


Viver acorrentado ao passado.
De cacos, buracos, hiatos e vácuos subsistir.
Quando o encantamento se perde e as palavras
Já não valem.
Na vida desprovida de alegria e heroísmo,
A beleza terminal te espreita.
Para resgatar a mísera existência de um fim
Mais triste que a nona sinfonia de Beethoven.










 











                                  

                         tempo de despedidas

 










                           



                                          sinto, logo escrevo





Escrever é meu vício. É o meu jeito de lidar 
com as coisas
que não consigo resolver. Inútil e perfunctório 
esforço de compreender
o que tecem as moiras. Dar algum sentido 
a vida sem sentido.
Escrevo o que busco entender, ainda que 
margeando o desejo que cessa e se expande.
Perscrutando os sonhos desfeitos, lúcidos, severos,
que ainda reverberam.

Escrevo para encontrar outro modo de dizer 
aquilo que já disse, em vão, de outro jeito.
Há dias mais calmos em que penso não haver 
mais nada a dizer.
Que está tudo resolvido, perdido, à falta de argúcia 
resignado.
Mas o desassossego é como uma maldição perseverante,
que os mecanismos de defesa 
remetem aos confins da alma.
Como convém a meu melodrama chinfrim.

Gostaria de dizer que é para libertar a fera enjaulada,
exorcizar o que ainda incomoda, decifrar os enigmas
que não se decifram a si próprios.
Mas nem sei que ideia faço de mim mesmo.
Não obstante ser a minha maneira de dizer 
que a tristeza não me liquidou.
                   Que uma parte de mim ainda sofre,
                   mas a outra pede amor.






segunda-feira, 11 de maio de 2020



                                             sobre a pandemia







Para muita gente, entre os quais me incluo, não sei se vai ser vantajoso sair vivo da pandemia.
Privações, falência, depressão, relacionamentos destruídos, 
perder tudo, ver o país afundar ainda mais na merda...

Tudo bem, o sacrifício da quarentena é justificável,
salvar vidas, postergar o contágio.
Ainda que só uma ínfima minoria seja efetivamente
beneficiada. Os que podem se dar ao luxo de ficar em
casa.

A única coisa boa da pandemia é poder ver quem
realmente se preocupa com você, pergunta, liga para saber 
se está precisando de alguma coisa. 
Aquele parente rico, que te chama de irmão, quantas vezes 
mesmo te ligou ?

Isolado, sem trabalho, lazer, sem amor, só vendo notícia ruim, manter a sanidade mental é uma proeza.

Para variar, a pandemia só é boa para os políticos e 
vigaristas. Sempre dão jeito de se dar bem.

Entre as lições que a pandemia deixa, a constatação de que 
algumas das ocupações mais humildes podem ser mais importantes que as celebridades, craques de futebol, 
famosos em geral. O que mais uma vez atesta 
a idiotice da idolatria.

Deve ser só coincidências, mas felizmente não conheci ninguém
que morrido.Tudo o que sei, pelo mórbido inventário diário 
de óbitos, é pela mídia, essa mesma mídia podre 
que todos conhecem. Perturbador, né ? 

Me faz lembrar daquela passagem famosa na década de 40, 
ocorrida nos EUA, com a transmissão radiofônica de uma suposta invasão da terra por marcianos, uma espécie de pegadinha 
do Orson Welles que enganou muita gente. 

Ninguém perde por ser cético.

































domingo, 10 de maio de 2020










Não fazia ideia do quanto a vida era boa 
quando me sentia tão somente infeliz.
                                  





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                          o quanto sei de mim Faço do meu papel o lenho da minha cruz.  Cavalgo unicórnios a passos lentos, para que o gozo...