sábado, 19 de dezembro de 2020



                            confabulando



 



''Que tristeza é essa, primo ?", indaga o grilo ao

gafanhoto.

"Estou triste mesmo. A natureza foi injusta comigo. 

Me fez feio, não canto, sou visto como uma praga,

há até lugares em que viro petisco".

"Não exagera. Por outro lado, você é resistente,

conhece o mundo, e até voa !", pondera o grilo, 

que prossegue : 

"Veja eu. Sou minúsculo, vivo nos brejos, nas poças, 

meu canto é irritante, e sempre de olho na língua cumprida 

de algum sapo".

"Em compensação, os poetas te adoram...", suspira o gafanhoto.






 

quarta-feira, 16 de dezembro de 2020




                  quizás, quizás, quizás...





A batalha que é ao mesmo tempo glória

e mortalha,

jamais chega a bom termo.

Viver e morrer só trocam de lado.

Inocentes úteis sob o mesmo tacão,

poder e dominação em meio ao terror

incessante que as divindades ignoram e até

inspiram.

Entre o amor e o desvario que cega e alucina,

persistindo na loucura para encontrar a sabedoria, como

diz Blake. 

Ou dir-se-ia que tudo o que é passível de se acreditar,

embute mentiras ?

A batalha nossa de cada dia não distingue covardes de

heróis. 

Nem sentimentos, nem boas intenções.

O penhor da paz é o ritual de desatinos e morticínio.

Em que se anseia trocar de lugar com os suicidas,

houvesse coragem para tal.

Somos aqueles que pertencem as secretas mitologias,

para sermos o contraponto, o imperfeito

que macula a perfeição do universo.

Talvez ascenda ao céu o amor misericordioso, mas há quem

desdiga. 

Talvez os olhos limpos, que não veem o lado sujo da vida,

possam ver um Deus que ninguém nunca viu.

Talvez os muros, os guetos, os genocídios, sejam um mal

necessário.

Talvez um cão amoroso seja melhor que um amor duvidoso.

Talvez o lado sórdido da vida não seja de todo ruim, quando

visto com olhos afeitos à escuridão. 

Talvez Deus seja um velho caduco e desinteressado,

como nos revela o menino Jesus fujão,

cantado nos magistrais

versos do poeta que não sabia ser só uma Pessoa.

Talvez você possa guardar seus segredos subornando

a permissiva consciência, 

resta saber a quem quer enganar.

Talvez o labirinto da existência

não tenha saída,

e o fio de Ariadne não passe de um engodo, e aí,

como fica ?

Talvez o pó incalculável dos exércitos tombados em batalhas,

sejam o adubo da vida.

Talvez Beethoven não seria tão genial, se pudesse

ouvir.

Talvez, talvez.

Talvez as crenças e rezas não sirvam para nada,

a não ser para encher os bolsos de espertalhões que usam 

e abusam do nome do Senhor em vão.

Talvez o buraco seja mais embaixo, ou arriba.

Talvez os desejos e vontades reprimidos não passem de

imposições da carne, 

de resto, 

um banquete para os vermes.

Talvez a vida só faça sentido nos teatros, nos campos de futebol

e nos cemitérios.

Talvez a maior das tiranias seja a vontade de Deus.

Talvez se dê um crédito demasiado às esperanças.

Talvez as crianças que nascem mortas ou morrem cedo

sejam as mais felizes.

Talvez o abraço seja um laço que se deva estreitar. Ou evitar.

Talvez os ricaços apodreçam por dentro,

por não poderem gastar todo seu 

dinheiro.

Talvez os parques fantásticos de Verlaine digam o indizível,

como se visse a terra e o céu

de alguma varanda.

Talvez o sonho da rosa imaculada seja ser deflorada.

Talvez a escolha certa não passe de um grande erro.

Talvez a chamada segunda chance seja como um naufrago 

que o mar devolve à areia.

Talvez a verdade esteja no supremo desconsolo.

Talvez o mistério da morte se esgote quando as funções

da alma se perdem em náusea e desespero.

Talvez a água mais fresca seja a de algum cisterna abandonada.

Talvez a única verdade a cujos pés devemos depor 

os sentimentos, é o de nossa imensa estupidez.

Talvez os poetas sejam fósseis vivos em tempos de Internet.

Talvez as ausências que tanto lamentas, sejam uma benção.

Ainda que a de um filho ingrato.

Talvez a ausência de quem te descartou se revista

da coragem que te faltou.

Talvez a dor incomparável da perda

de um ente querido, te faça mais forte a longo prazo.

Talvez a consciência tranquila seja o último refúgio 

dos covardes, como diria Samuel Johnson.

Talvez a vida não seja só isso que se vê, ou talvez seja.

Depende de quem vê.

Talvez todos os caminhos levem a Roma, ou a Meca,

ou a lugar nenhum que não queira estar. 

Talvez as aparências enganem aos que querem ser enganados.

Talvez a beligerância inata do homem o impeça de ser feliz. 

Ou é o contrário ?

Talvez o Coronavírus seja um divisor de águas, ou o começo 

do fim. 

Talvez o duro sol ame o conflito.

Talvez devêssemos ter dois corações, um às vezes não dá conta.

Talvez nenhum sacrifício valha a pena, quando a alma é pequena. 

Talvez as injustiças sejam a redenção dos pecados,

por outros motivos. 

Talvez os dias crivados de enigmas sejam os melhores.

Talvez a doce e fria malícia encarne todas as primícias.

Talvez as certezas dos ignorantes valham mais que 

o niilismo dos sábios.

Talvez fosse melhor se minha mãe tivesse

feito um aborto.

Talvez os sonhos que fogem são os que perduram.

Talvez tudo tenha acabado de ser criado, na vida

que quebra e se refaz.

Talvez o nunca havido seja a única coisa que não se perde.

Talvez a invasão amarela salve os insetos da extinção.

Talvez o espantalho dance à noite para a lua se divertir.

Talvez superestimemos o prazer que não virá.

Talvez o malogrado tenha sido roubado.

Talvez a linguagem rebuscada, cifrada, intencionalmente

obscura,

singularmente incompreensível, 

seja tudo, 

menos poesia. 

Porque talvez "la vida sea un sueño,

y los sueñs sueños son..." (Calderon de La Barca).

Quizás, quizás, quizás...


  

 


 



 

segunda-feira, 14 de dezembro de 2020


                             o velho e o novo amor





Enquanto o velho amor morreu de velho,

o novo já nasce envelhecido,

rodado,

queimando etapas,

pulando cercas...

Reais ou virtuais.


 

domingo, 13 de dezembro de 2020


                                  

             


Afeições

estão cheias de más intenções.

Sonhos fiéis às paixões.

Ninfas atentando querubins.

Santos flertando com o diabo.

O coração, em pânico, cavalgando miragens.

Amigos e inimigos confraternizando.

O mundo partilhando dor e esperança.

O absurdo e os enigmas erguidos à vista humana.

Paixões e impulsos submetidos ao desejo impuro.

Tudo lentamente diluído em seu próprio desengano.

Em prévia exaltação da hora defunta.

A vida extinta como quem lava as mãos.

Vencer o tempo, em solenes venturas e desditas.

Enquanto a memória do amor aviltado

se apaga.





 




                               o toma-lá-dá-cá escroto da vida





As ausências preenchem o vazio em

que me sustento.

Feito de resignação e resiliência.

O que perdi é minha maior riqueza : não depender, 

não precisar de ninguém além de mim mesmo.

O pouco que tenho, é o que eu tenho. 

O quê o dinheiro pode comprar,

no toma-lá-dá-cá escroto da vida : 

pequenos prazeres que valem mais que 

as migalhas de afeto 

a que só fiz jus 

enquanto fui útil.

Do interesse daqueles que debandaram

como se não me conhecessem. 

Implacáveis,

infalíveis,

como esse Deus 

que criou o universo

o diabo,

e depois jogou um foda -se.


Meu instante agora é de supressão do mundo

paralítico de outrora, 

em que apenas vegetava, cada vez mais distante 

de ser eu mesmo, até desmoronar 

diante dos engodos do amor.

O qual se imbricou além de mim, como uma flor

cuja haste se quebrou, 

espalhando suas pétalas no jardim 

em que um Eros sonolento tira meleca do nariz.
















 

sábado, 12 de dezembro de 2020

Postagem em destaque

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