quarta-feira, 16 de dezembro de 2020




                  quizás, quizás, quizás...





A batalha que é ao mesmo tempo glória

e mortalha,

jamais chega a bom termo.

Viver e morrer só trocam de lado.

Inocentes úteis sob o mesmo tacão,

poder e dominação em meio ao terror

incessante que as divindades ignoram e até

inspiram.

Entre o amor e o desvario que cega e alucina,

persistindo na loucura para encontrar a sabedoria, como

diz Blake. 

Ou dir-se-ia que tudo o que é passível de se acreditar,

embute mentiras ?

A batalha nossa de cada dia não distingue covardes de

heróis. 

Nem sentimentos, nem boas intenções.

O penhor da paz é o ritual de desatinos e morticínio.

Em que se anseia trocar de lugar com os suicidas,

houvesse coragem para tal.

Somos aqueles que pertencem as secretas mitologias,

para sermos o contraponto, o imperfeito

que macula a perfeição do universo.

Talvez ascenda ao céu o amor misericordioso, mas há quem

desdiga. 

Talvez os olhos limpos, que não veem o lado sujo da vida,

possam ver um Deus que ninguém nunca viu.

Talvez os muros, os guetos, os genocídios, sejam um mal

necessário.

Talvez um cão amoroso seja melhor que um amor duvidoso.

Talvez o lado sórdido da vida não seja de todo ruim, quando

visto com olhos afeitos à escuridão. 

Talvez Deus seja um velho caduco e desinteressado,

como nos revela o menino Jesus fujão,

cantado nos magistrais

versos do poeta que não sabia ser só uma Pessoa.

Talvez você possa guardar seus segredos subornando

a permissiva consciência, 

resta saber a quem quer enganar.

Talvez o labirinto da existência

não tenha saída,

e o fio de Ariadne não passe de um engodo, e aí,

como fica ?

Talvez o pó incalculável dos exércitos tombados em batalhas,

sejam o adubo da vida.

Talvez Beethoven não seria tão genial, se pudesse

ouvir.

Talvez, talvez.

Talvez as crenças e rezas não sirvam para nada,

a não ser para encher os bolsos de espertalhões que usam 

e abusam do nome do Senhor em vão.

Talvez o buraco seja mais embaixo, ou arriba.

Talvez os desejos e vontades reprimidos não passem de

imposições da carne, 

de resto, 

um banquete para os vermes.

Talvez a vida só faça sentido nos teatros, nos campos de futebol

e nos cemitérios.

Talvez a maior das tiranias seja a vontade de Deus.

Talvez se dê um crédito demasiado às esperanças.

Talvez as crianças que nascem mortas ou morrem cedo

sejam as mais felizes.

Talvez o abraço seja um laço que se deva estreitar. Ou evitar.

Talvez os ricaços apodreçam por dentro,

por não poderem gastar todo seu 

dinheiro.

Talvez os parques fantásticos de Verlaine digam o indizível,

como se visse a terra e o céu

de alguma varanda.

Talvez o sonho da rosa imaculada seja ser deflorada.

Talvez a escolha certa não passe de um grande erro.

Talvez a chamada segunda chance seja como um naufrago 

que o mar devolve à areia.

Talvez a verdade esteja no supremo desconsolo.

Talvez o mistério da morte se esgote quando as funções

da alma se perdem em náusea e desespero.

Talvez a água mais fresca seja a de algum cisterna abandonada.

Talvez a única verdade a cujos pés devemos depor 

os sentimentos, é o de nossa imensa estupidez.

Talvez os poetas sejam fósseis vivos em tempos de Internet.

Talvez as ausências que tanto lamentas, sejam uma benção.

Ainda que a de um filho ingrato.

Talvez a ausência de quem te descartou se revista

da coragem que te faltou.

Talvez a dor incomparável da perda

de um ente querido, te faça mais forte a longo prazo.

Talvez a consciência tranquila seja o último refúgio 

dos covardes, como diria Samuel Johnson.

Talvez a vida não seja só isso que se vê, ou talvez seja.

Depende de quem vê.

Talvez todos os caminhos levem a Roma, ou a Meca,

ou a lugar nenhum que não queira estar. 

Talvez as aparências enganem aos que querem ser enganados.

Talvez a beligerância inata do homem o impeça de ser feliz. 

Ou é o contrário ?

Talvez o Coronavírus seja um divisor de águas, ou o começo 

do fim. 

Talvez o duro sol ame o conflito.

Talvez devêssemos ter dois corações, um às vezes não dá conta.

Talvez nenhum sacrifício valha a pena, quando a alma é pequena. 

Talvez as injustiças sejam a redenção dos pecados,

por outros motivos. 

Talvez os dias crivados de enigmas sejam os melhores.

Talvez a doce e fria malícia encarne todas as primícias.

Talvez as certezas dos ignorantes valham mais que 

o niilismo dos sábios.

Talvez fosse melhor se minha mãe tivesse

feito um aborto.

Talvez os sonhos que fogem são os que perduram.

Talvez tudo tenha acabado de ser criado, na vida

que quebra e se refaz.

Talvez o nunca havido seja a única coisa que não se perde.

Talvez a invasão amarela salve os insetos da extinção.

Talvez o espantalho dance à noite para a lua se divertir.

Talvez superestimemos o prazer que não virá.

Talvez o malogrado tenha sido roubado.

Talvez a linguagem rebuscada, cifrada, intencionalmente

obscura,

singularmente incompreensível, 

seja tudo, 

menos poesia. 

Porque talvez "la vida sea un sueño,

y los sueñs sueños son..." (Calderon de La Barca).

Quizás, quizás, quizás...


  

 


 



 

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