sábado, 26 de dezembro de 2020




                   aceitação




A aceitação das coisas como são.

Parindo amor, mágoa, morte.

Sina de criaturas carcomidas pelo verme da vida.

Feita de máscaras, farsas, trapaças.

Em dias crivados de enganos.

A linguagem das coisas castas 

consagradas ao inútil hábito de crer. 

Urdindo cada separação e cada véspera.

Em espelhos, ecos, epitáfios que ramificam na grande 

e insondável árvore das causas e efeitos. 

Nas tramas de vidro e ferro, tudo é cíclico.

Lobos e cordeiros bebem na mesma fonte.

A memória encolhe e se purifica na aceitação

saturada de lembranças.


 



A ferocidade da tua repulsa,

a despeito das humilhações que me impuseste,

da evasão de todo e qualquer sentimento nobre,

é a prova viva de que me enganei em tudo.

De que nada valeu a pena,

posto que nada foi mais forte

do que esse desprezo 

com que me destroças. 



 







Meu passado é passado.

Em nome da água, do fogo,

de um sol morto,

amém.


 

quinta-feira, 24 de dezembro de 2020


                                                 diário



               


Meus versos são um arremedo de mim. 

Não obstante o entendimento confuso do mundo,

escrevo o meu diário como um Endimião à luz da própria

ruína.

Ao pé do cadafalso, oferecendo à pedra a flor fecundada,

as coisas possuídas mais indecifráveis do que nunca.

Nos dias que não se resolvem, vemos o que não vemos.

Nas infinitas variações do tempo que se esvai

sem glória,

elidindo o disfarce perfeito.

Meu corpo, embrulhado em vestes cotidianas, cambaleia como

um pugilista cansado : já não há pelo que lutar.

Mas o mistério das coisas continua, porque não podem

senão continuar. 

Como um jogador dostoievskiano

cujo crime e castigo é continuar jogando.

Como um soldado condenado a guerrear.

Sem direito a paz.

Tenho olhos mas estou cego. 

No teatro da vida, tudo é partido. Tudo se parte além

do palco.

O coração ardente com o tempo esfria.

Antes não precisasse justificar o que me fere.








    

segunda-feira, 21 de dezembro de 2020




 



                                            PERDAS



                                


 

Nada mais difícil do que lidar com as perdas.

Seja por quais motivos forem.

Para as quais nunca estamos suficientemente preparados.

Mesmo nossos velhos que vemos definhar a cada dia.

Aqueles que sofrem de doenças terminais.

Cujas mortes de certa forma acabam sendo um alívio.

E como se não bastasse, 

aqueles que se afastam espontaneamente.

Amores, filhos, que se transformam em nossos 

piores algozes.



 

Postagem em destaque

                          o quanto sei de mim Faço do meu papel o sonho de um desditado.  Cavalgo unicórnios a passos lentos, para que o go...