fugaz sonho de Penélope
Te amo. Te amo
mas não te quero.
Amo mais aquela
de outrora.
Quando eu não sabia
quem tu eras.
Do que és capaz.
Meu fugaz sonho de Penélope.
nua e crua
Quando despertos do sono da vida,
não só de nós, mas do existir humano e ungido,
o acordar para o que somos e não vemos,
premedita o tempo arguido pelos anos.
Ante o paradoxo de ser o ser enrustido
que agasalhamos,
premido pelos pecados e segredos
que os dias escamoteiam,
eis que o efêmero se infere,
como se a vida se fizesse alheia.
E quando, diante dos olhos,
o tempo conjurar os vaticínios,
esgotar-se a permissão para cometer desatinos,
alvíssaras ! Ei-la, enfim, a vida nua e crua,
prenhe de tudo que é solvente e ilusório.
quando, em brios, te insurgirás ?
Do feroz cotidiano,
feito de tintas cruéis e fatais,
emerge a dura realidade
que os telejornais retratam
como se fora uma guerra declarada
- e, provavelmente, o é.
E assim, exalando o nauseabundo odor
de feridas gangrenadas,
a vida segue,
amarga e desesperançada,
com o grito de socorro entalado na garganta.
Ah, meu Brasil lindo e inzoneiro,
não te cansas de ser espoliado ?
Quando, em brios, te insurgirás ?
antiga morada
As delicadas porcelanas, cuidadosamente arrumadas
na cristaleira.
As cortinas de tule, de renda, de veludo - minha mãe
tinha mania de cortinas.
A panela de ferro, o fogão à lenha, o forno de fazer
pão de milho, na casa da minha grossmutter.
O revólver guardado no alto do armário.
As revistas de mulheres nuas debaixo do colchão.
O rádio Telefunken em que ouvia os jogos do Grêmio.
Os inúmeros times de botão, a única coisa que me mantinha
em casa.
A bola. Muitas bolas. De meia, capão, couro, de gude.
O bodoque, o carrinho de rolimã, a pipa.
O rio, o arroio, a sanga.
A sexualidade precoce.
As várias mudanças. Até sentar pousada em Santos.
A vitrola 3 em 1, a coleção de discos de vinil, relíquias
que minha mãe guardou até morrer.
Minha mãe na cozinha, sempre na cozinha,
por mais de cinquenta anos cozinhando, lavando pratos.
Ainda assim, vaidosa, sempre chique,
viciada em jogo do bicho, nos carnês do Baú da Felicidade,
pois é, morreu "sem tirar a sorte grande."
Ah, minha mãe.
Ah, meu pai. E a pensar que nunca tivemos
uma conversa de homem para homem.
Era, sempre foi, o exemplo de homem íntegro
que prevalecia. Bastava um olhar para se fazer entender.
Paizinho, gostaria que soubesses, já que nunca te disse,
o quanto te admirava,
e o quanto lamento não ter sido um filho melhor.
Mas a memória persiste em revolver os estanques
guardados, que não obstante pungentes,
não doem.
Há muito tempo me bate no peito
um heroico coração que aprendeu a espantar
as mágoas e os pesares.
E conquanto já não tenha para onde ir,
volta sempre para a saudosa
e antiga morada.
a noite eterna a noite eterna chega devagar a vida passa devagar até tudo passar e você de repente acordar sozin...