sábado, 3 de julho de 2021



                   fugaz sonho de Penélope



Te amo. Te amo 

mas não te quero.

Amo mais aquela

de outrora. 

Quando eu não sabia 

quem tu eras.

Do que és capaz.

Meu fugaz sonho de Penélope.





 





                                 nua e crua





Quando despertos do sono da vida,

não só de nós, mas do existir humano e ungido,

o acordar para o que somos e não vemos,

premedita o tempo arguido pelos anos.


Ante o paradoxo de ser o ser enrustido 

que agasalhamos,

premido pelos pecados e segredos 

que os dias escamoteiam, 

eis que o efêmero se infere,

como se a vida se fizesse alheia.


E quando, diante dos olhos, 

o tempo conjurar os vaticínios,

esgotar-se a permissão para cometer desatinos,

alvíssaras ! Ei-la, enfim, a vida nua e crua,

prenhe de tudo que é solvente e ilusório. 









 



                nem mortadela, nem gado





Não estou louco, o que já não é pouco.

Não estou ébrio, apesar do tédio.

Não estou cooptado, muito menos abduzido.

Tenho ideias próprias, mas não me gabo.

É mister que esclareça,

não sou mortadela, nem gado.

E está dado o meu recado.




  

sexta-feira, 2 de julho de 2021




Eu sempre soube, já estou até conformado,

Meu coração não é confiável.

Mais parece um caleidoscópio,

Vê sempre tudo deformado.


  

quinta-feira, 1 de julho de 2021


                             quando, em brios, te insurgirás ?




 



Do feroz cotidiano, 

feito de tintas cruéis e fatais,

emerge a dura realidade

que os telejornais retratam

como se fora uma guerra declarada

- e, provavelmente, o é.


E assim, exalando o nauseabundo odor

de feridas gangrenadas,

a vida segue, 

amarga e desesperançada,

com o grito de socorro entalado na garganta.

Ah, meu Brasil lindo e inzoneiro,

não te cansas de ser espoliado ?

Quando, em brios, te insurgirás ?


 

 

quarta-feira, 30 de junho de 2021




                       antiga morada




 


As delicadas porcelanas, cuidadosamente arrumadas

na cristaleira.

As cortinas de tule, de renda, de veludo - minha mãe 

tinha mania de cortinas.

A panela de ferro, o fogão à lenha, o forno de fazer 

pão de milho, na casa da minha grossmutter.

O revólver guardado no alto do armário.

As revistas de mulheres nuas debaixo do colchão.

O rádio Telefunken em que ouvia os jogos do Grêmio.

Os inúmeros times de botão, a única coisa que me mantinha

em casa.

A bola. Muitas bolas. De meia, capão, couro, de gude.

O bodoque, o carrinho de rolimã, a pipa.

O rio, o arroio, a sanga. 

A sexualidade precoce.

As várias mudanças. Até sentar pousada em Santos.  

A vitrola 3 em 1, a coleção de discos de vinil, relíquias 

que minha mãe guardou até morrer.

Minha mãe na cozinha, sempre na cozinha,

por mais de cinquenta anos cozinhando, lavando pratos.

Ainda assim, vaidosa, sempre chique,

viciada em jogo do bicho, nos carnês do Baú da Felicidade,

pois é, morreu "sem tirar a sorte grande."

Ah, minha mãe.

Ah, meu pai. E a pensar que nunca tivemos

uma conversa de homem para homem.

Era, sempre foi, o exemplo de homem íntegro

que prevalecia. Bastava um olhar para se fazer entender.

Paizinho, gostaria que soubesses, já que nunca te disse,

o quanto te admirava, 

e o quanto lamento não ter sido um filho melhor.

Mas a memória persiste em revolver os estanques

guardados, que não obstante pungentes,

não doem. 

Há muito tempo me bate no peito

um heroico coração que aprendeu a espantar

as mágoas e os pesares.

E conquanto já não tenha para onde ir,

volta sempre para a saudosa 

e antiga morada.




terça-feira, 29 de junho de 2021

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