carnificina
A carne de janeiro tem o sabor suicida
das coisas a serem vividas,
porém já perdidas.
A carne de fevereiro tem o sabor da volúpia
dos recomeços de quem vive
brincando com a sorte. E com a morte.
A carne de março tem o sabor do sexo
das meninas violentadas e precocemente
emancipadas.
A carne de abril tem o sabor da mesmice
de dias devorados
por máquinas autônomas e customizadas.
A carne de maio tem o sabor das tardes
luminosas que se precipitam no abismo
de cidades conflagradas e fétidas.
A carne de junho tem o sabor
do tempo sem tempo em que nada sucede
além do engano.
A carne de julho tem o sabor de sóis trenspassados
de áspera luz e primaveris cinzas
das florestas dizimadas pelo homem.
A carne de agosto tem o sabor venenoso
do ouro que impregna os rios de chumbo.
A carne de setembro tem o sabor das lembranças
que não oferecem nada, além de domingos cruéis
e grandes viagens em estradas vazias.
A carne de outubro tem o sabor ardido das decepções
e dos fracassos, de um tempo que se apagou
mas que continua doendo.
A carne de novembro tem o sabor da vida que não
muda. De um mundo que não quer mudar.
Murchando, apodrecendo como legumes
que ficam sem vender.
A carne de dezembro tem o sabor do mel
que é fel. Do afeto que trai.
Do abraço que aprisiona.
Do amor que era pouco e se acabou.