Por que escrevo ?
Talvez para tentar decifrar
aquilo que me foge à compreensão.
Talvez para disfarçar minha ignorância.
Talvez para dar vazão ao eterno desassossego da alma.
Talvez escreva, simplesmente, para aliviar
minhas culpas.
aprendizado
O que eu descobri depois que te perdi :
Que hoje sou capaz de amar como se deve amar.
Que os dias sem você podem ser mais calmos e tranquilos,
mas nunca plenos.
Que a sabedoria chega quando já é tarde.
Que o melhor do amor não é o que vivi,
mas o que faltou viver.
Que só porque não te amei do jeito que você quis,
não significa que não te amei de verdade.
Que nunca me senti tão próximo de você, depois que
te perdi.
Que precisei passar pelo que passei, para valorizar
o que a gente tinha.
Que precisei te perder para ser uma pessoa melhor.
Que para encontrar paz, precisei fazer um pacto
com a solidão.
Que a força invencível que me permitiu superar
os desgostos
reside na memória das coisas boas
que tivemos.
Que foram muitas.
realismo mágico
O real e o irreal estão na imaginação.
A realidade de cada um é o disfarce
o simulacro
o discurso.
Há um lugar em que nada é impossível.
Em que alegrias e tristezas são indiferenciáveis.
E os vivos e os mortos se reencontram.
O real e o irreal estão na imaginação.
Basta um instante para que o desejo encontre
sua realidade.
Quando tudo acontece. Ou nada.
Escuta o silêncio, sinta os aromas, invente prazeres.
Sonhe que não é um sonho.
Tudo o que vemos são nichos de percepção.
Espaços demarcados de crimes sem culpas.
Semeaduras de sinecuras
flores reticentes
perpetuadas de ausências
o real e o irreal imiscuindo-se nos escombros.
Abajo la tristeza !
Abajo todo dolor !
Nada pode ser omitido e dissimulado
Naquele momento em que o amor vira crime de guerra.
Em que nada se consegue reter, nem saber o que é real ou irreal.
Em que tudo ou nada acontece.
Num dia que não aconteceu.
Em Macondo ou nas Mil e uma noites.
sentimentos tortos
Todos conhecem os sentimentos tortos
que presidem a liturgia do mal.
Baudelaire : há tantos males sobre a Terra
que só mesmo um Deus poderia tê-los criado.
De fato, que vida é essa que se nutre de outras vidas ?
Que "mão divina" faz da evolução
a mais vil carnificina ?
Se nossos pecados são previamente perdoados,
o que impede que o mal impere ?
Qual o sentido de uma vida
em que o indivíduo morre
sem se conhecer ?
segredos
Os segredos do mundo estão bem guardados.
Nas seculares pirâmides do Egito.
Nas catacumbas do Vaticano.
Nos subterrâneos das irmandades.
Sob as areias dos desertos bíblicos.
Nos silos nucleares. Nas profundezas dos oceanos.
Em solo lunar.
No espaço sideral. Nos confins do universo.
No inexistido.
Nos hieróglifos.
Nos algoritmos.
Entre as pernas das mulheres.
Nos artefatos, nos sítios profanados, nos cemitérios
abandonados
das antigas civilizações e tribos,
que conheceram os deuses astronautas..
Nas horas violentas, no sulco dos arados, no caminho dos peregrinos,
nas catedrais góticas erigidas sobre crânios e ossos.
No pó e nas cinzas que não deixam rastros.
Nos labirintos que escravizam o sol.
Nas gárgulas e anjos sonolentos que deixam a humanidade
à deriva.
No bifronte perdido no cipoal de faces.
No mundo multifacetado e mutilado, que comunga
seus
segredos com nossos irmãos,
vermes e ratazanas.
antagonismos
A Bíblia e suas dubiedades.
Israel e a eterna agonia do crucificado.
A memória e seus ecos de candentes gnomonias.
As escolas literárias e seus engodos didáticos.
Whitman e seus catálogos vitalícios.
Os livros de ouro e as águas do Ganges.
Excalibur e o Santo Graal.
O rigor do jovem Schopenhauer e os labirintos borgeanos.
A miscelânea de Virgílio, Milton, Blake, e a rotina de escrever.
Os nefelibatas desvalidos e a dor de corno.
O saltimbanco e a vertigem do picadeiro.
O grito de horror e a epifania do juízo final.
Os poderes do mundo e o desespero da fome.
O silêncio das cordilheiras e o enigma interplanetário.
Os sóis de todos os verões e as vísceras dos incêndios.
Os olhos abertos e as bocas cheias de formigas.
A desagregação de cada dia e a morte à prestações.
A Inglaterra forjada pelos vikings e as brumas de Avalon.
O perdurável sonho de justiça e o martelo de Nietzsche.
Os tesouros engolidos pela areia e os mitos corrompidos.
A trama obscura da Criação e o Deus de Spinoza.
O Deus que castiga e o demônio que perdoa.
Os corações espedaçados e o invisível fender do tempo.
O caminho divergente e o muro que ramifica.
À causa da poesia e a cauda do cometa...
à margem de mim Passei a vida à margem de mim mesmo. Desperdicei meus parcos talentos por falta de discernimen...