beleza
Toda beleza é enganosa.
Como qualquer coisa transitória.
Como qualquer coisa preciosa.
Preciosa porque bela, e ainda mais bela
porque misteriosa.
a liturgia do horror
Quando se vive no inferno, e ao inferno se submete,
ao conflito e a discórdia se habitua, eis que a vida
não é mais tua.
A anjos grotescos convertido, és quem
não deveria ter sido.
Quem não queria ser.
O filho bastardo, um pária, um Lázaro
eventualmente resgatado do sepulcro.
A viver dentro de um cadáver.
Que exclui a presença de Deus,
mas não a liturgia do horror.
aqueles que se foram
* EM MEMÓRIA DE VINCENZO DI GREGÓRIO NETO
Penso naqueles que se foram.
Que foram amados, que amaram,
foram "alguém".
Viveram entre nós, deram o seu melhor,
e o seu pior também, falíveis como todo ser humano.
Fugazes como todas as coisas perecíveis.
E como tal, aos poucos esquecidos,
relegados a alguma lápide fria.
Ou nem isso.
o joio e o trigo
Há um lado sombrio no amor.
Um lugar onde o sol não alcança
e as flores não medram.
Em que o medo e a insegurança criam raízes.
Na terra fecunda e generosa, a erva daninha
do ciúme faz estragos consideráveis.
O coração arbitrário não diferencia o joio do trigo.
Só se dá conta do amargor do pão
quando já é tarde.
causa perdida
O mundo é uma causa perdida.
Carece de ser reinventado.
Sem usura, sem impostos, sem mentiras.
A vida já parte de premissas erradas.
Crua e dura, a desigualdade vem de berço.
A busca pelo conhecimento é infinita e sem esperança.
O coração devotado, clama por ser enganado.
O amor ignora as trapaças.
A insondável trama conjura os pecados.
Paixões, ódios, mentiras, desenganos, são a sina
da humanidade.
Toda sorte, adversa ou favorável, é obra do acaso.
O melhor da vida se resume a breves encantos.
sempre o mesmo périplo
Vigilantes, olhos famintos nos espreitam.
Loucos, ladrões, pederastas, saindo de prédios,
de bueiros,
circulando pelas ruas em bandos,
logo, multidões.
Ninguém mais sabe quem é quem.
No mundo dividido entre chefes e cativos,
ricos e pobres,
os infatigáveis conflitos semeiam eternas
discórdias.
Viver é apenas um hábito de metamorfoses e desditas.
Ninguém é inocente até que se prove o contrário.
Tudo remonta à miséria humana.
De superar-se ou quedar-se
nas vagas da verdade ou da infâmia.
Maior que tudo são as coisas sem nome.
Um punhado de ossos.
O ruído da chuva no telhado de zinco.
As ruínas da tarde.
A luz que refulge no mar.
O vento que encrespa à noite.
O pacto com o acaso.
Violência e ternura no mesmo gesto.
Ideias que velam quimeras.
Coisas que o amor traz e leva.
Defuntas crenças.
Gente, povo, gado.
Sempre o mesmo périplo.
o quanto sei de mim Faço do meu papel o lenho da minha cruz. Cavalgo unicórnios a passos lentos, para que o gozo...