Está à vista de todos, mas poucos repararão
nas brancas nuvens que se desprendem do céu
e deitam-se nas encostas das montanhas,
como grandes almofadas,
enchendo de beleza a manhã radiosa
da vida contemplativa.
o Cristo crucificado
Sou um cego em Malta.
Um refugiado num campo de concentração da Malásia.
Um clandestino num cargueiro panamenho.
Um mercenário à serviço da Rússia na guerra da Ucrânia.
Sou um latino-americano arriscando tudo para entrar nos EUA.
Sou um negro trucidado pela polícia norte-americana.
Sou um homossexual no Islã.
Sou um doente mental,
cigano, indígena, viciado, analfabeto,
sem teto, pária, ralé.
Sou faxineiro, lixeiro, serviçal,
mão de obra escrava.
Sou bandido, venal, vendido,
traidor da pátria, infiel, mau caráter.
Sou traficante, meliante, trombadinha, MC,
magistrado, ministro da suprema corte,
político profissional, presidente...
Eu sou tudo e nada.
Sou tudo que presta e não presta.
Sou bom e mau.
Sou o sal da terra.
O pão que o diabo amassou.
Sou seu irmão.
Sou filho de Deus e discípulo do demo.
Sou o certo e o errado.
Sou o que deu certo e o que deu errado.
O cristal intocado, o muro mijado,
a ponte, o pouso, o porto de chegada e de partida.
Sou o morto esquecido, o suicida que mataram.
Sou o sangue espesso da castidade,
o braço da discórdia. A incessante covardia.
Sou o Cristo crucificado.
SE...
Ilustração reproduzida do google
Se a carne é fraca
e o crime compensa.
Se a mentira impera
e o mal prevalece.
Se os valores desandam
e o dinheiro é quem manda.
Se até o amor anda na corda bamba
e a rotina é de tiro, porrada e bomba.
Se ninguém se importa
se a roda é torta e Inês é morta.
Se nada dura e o fim
de todo mundo é na sepultura.
Se nada acontece,
e o ímpeto fenece.
Se nossa injustiça capenga
mais parece uma quenga.
Se a polícia prende
e leis caducas soltam.
Se até a carne mais rija
um dia acaba em pelanca.
Se entrementes é um palavrão
em qualquer texto que se preze.
Se no Brasil o salafrário
tem livre acesso ao erário.
Se os conflitos sem fim
engordam os abutres.
Se quanto mais eu rezo,
mais assombração me aparece (dito popular).
Si el azul es un ensueño,
qué será de la inocencia ?
um novo modo de viver
Na contramão do passado, espanto o desencanto
inventando um novo modo de viver.
Roendo o osso das banalidades, feito um cão esfomeado.
Busco, mas não acho.
Náufrago no mar dos Sargaços.
Sonho que acordei
da vida em que morri.
Só quem nada possui
se contenta com pouco.
De retrocesso em retrocesso,
um dia o Brasil ainda vai dar certo.
Quem parte
leva um pedaço de alguém.
Gato ou cão ?
Pelo sim, pelo não
fico com meu violão.
Bebo, fumo, cheiro.
Nada como ter um alter ego.
A festa acabou.
E agora, José ?
Chamo o Uber ou vai a pé ?
Essa velha amendoeira
no quintal do vizinho
é um puxadinho de morcegos.
A se crer na lei do retorno,
como dormir em paz ?
Alienígenas creem em Deus,
ou serão eles os "deuses" ?
Ah, quem me dera
esquecer o futuro.
Todo ideograma
tem algo de paliativo.
O que é mais inútil ?
Boas intenções ou arrependimento ?
Pesadelo de anacoreta
é sonhar com buceta.
Jesus Cristo ou Mefhisto ?
A humanidade não se decide.
Muitos ainda escolhem Barrabás (ou o lularápio).
E se a terra de repente começasse a girar ao contrário ?
E o tempo retrocedesse. E a fascinante fábula
de Benjamin Button (obra-prima de Scott Fitzgerald)
se tornasse realidade ? Viver a vida de trás para frente,
refazer a jornada, reaver a inocência perdida.
Do jeito que era para ter sido.
No dizer de uma amiga, toda mulher sonha ser
estuprada.
Desde que pudesse escolher por quem...
O arrependimento não é garantia
de que não faríamos tudo outra vez.
Talvez pior ainda.
Essa sensação de que as coisas vão de mal a pior,
não será porque só as coisas ruins repercutem ?
Espécime rara de moça de família acaba de ser
capturada. Para estudos.
Senso comum : se não saiu na mídia,
se não postou nas redes sociais,
não aconteceu.
O amor que me devora
chegou de mansinho,
como não quer nada.
Foi ficando, ficando,
até fazer morada.
3 da madrugada é a hora crucial
de transpor o portal
em que o real e o sobrenatural
se entressonham.
Os bois ruminam, os peixes nadam,
mamíferos, aves, insetos
só fazem hora
até que o bicho-homem os devorem.
Não há espaço para o amor
quando há outros interesses em jogo.
O excesso de consciência é como o excesso
de luz. Ofusca. (Pinçado em crônica de Paulo Mendes Campos)
O que a vida me nega,
a imaginação provê à larga.
o matadouro de Deus
Acordes sinistros povoam a realidade de lágrimas
e tristezas.
Loucuras sem limites destroçam lares, cidades, nações.
O sangue derramado inunda a eternidade submersa no tempo.
Flores amargas se esparramam pelas incontáveis
campas do mundo.
Não só seres humanos mas toda a Criação, dizimados
no grande matadouro de Deus.
A quem, ironicamente, apelamos para livrar-nos
de dores para as quais não há cura.
hoje eu sei quem sou
Hoje eu sei quem sou.
Sei o poder imenso que mora em mim.
Minha melhor versão tem mandíbulas de leão,
garras de águia, coração de gente.
Me encontrei quando me perdi.
As diletas circunstâncias devo tudo que tenho.
As coisas não ensinadas devo tudo o que sei.
Sem carência de nada, deixei o ontem
num recanto da memória.
Sem mapas, rotas, planos, vivo intensamente
o agora.
Prelibando o futuro ontológico.
Carpindo cada dia como se fosse o último.
Incógnito, devoro um pedaço da minha carne
para não depender de ninguém.
a noite eterna a noite eterna chega devagar a vida passa devagar até tudo passar e você de repente acordar sozin...