terça-feira, 14 de maio de 2024



                       o príncipe encantado





Sim, eu sei, o amor é um suplício.

A melancolia que toma conta de mim,

com a tua ausência, delata-o.

É a causa desse permanente desassossego. 

Por mais que eu tente manter as coisas sob controle,

a verdade é que não falamos a mesma língua.

Bem sei que te chateio com minhas demandas,

mas sou como sou,

não consigo nem quero mudar.

Porque isso significaria mudar esse meu jeito

intempestivo de amar.

E assim como não se pode acender 

o que já virou cinza, sei, por experiência própria,

que o amor não sobrevive à calmaria.

Aceita-me, portanto, com meus vícios e desvirtudes,

para que o meu melhor aflore, antes que a primavera

faça greve de flores.

Lembre-se, mais vale um amor com defeitos

do que um príncipe encantado que não existe.

Ainda mais você, que odeia melhor do que ama.

Que só é carinhosa na cama.














domingo, 12 de maio de 2024



                     você é feliz ?





Em 18 anos de casamento, não lembro de ter

perguntado a minha ex-amada se ela estava feliz.

Presumindo, erroneamente, que era feliz.

Como eu achava que era.

Só que não.

Nem ela, e provavelmente nem eu, éramos felizes.

Acomodados, isto sim.

De certa forma conformados com os prós e contra

de toda longa relação.

Algo longe de ruim, ao contrário, não só suportável

como satisfatório, considerando a vida confortável,

sem luxo mas sem privações.

Mas nem sempre o básico é suficiente.

Nem sempre cumprir com as obrigações, suprir 

as necessidades materiais,

é suficiente para manter uma relação.

Há o lado afetivo, geralmente o primeiro a ser

sacrificado ao longo do tempo, na proporção

do crescente desgaste da vida a dois, da chegada

dos filhos, que roubam toda a atenção da mãe.

Daí a negligenciar-se a questão básica, a pergunta

que todo casal deveria se fazer, periodicamente :

você está feliz ?

E se não está, como soe acontecer, é tratar de reavaliar

as coisas, ver o que pode ser feito para reparar os estragos.

No meu caso, lamentavelmente, já era tarde demais.

Você é feliz, de um modo geral ?

Se não é, trate de descobrir os por quês.

Reinvente-se, recicle-se, você não tem 

nada a perder

que já não tenha perdido.




  



 




 

















 



                recital de epigramas



 

Já vi coisas do arco da velha

Rodízio de ladrões no poder

O darma virar carma

Felicidade comprar dinheiro

Vícios terapêuticos

Mirantes hospitaleiros

Evangelhos pornô

A chuva cobrir o burgo

Danças do vento

Gambá de ressaca

Mendigo zen

Girassóis incendiários

Açogueiro desdentado

Presidente descondenado

Cavalo em telhado

Chá de buceta

Gol de letra

Padre de patinete

Biografia rasurada

Desventuras aladas

Enxovais enxovalhados

Papagaio mudo

Feijoada de crustáceos

Ódio remunerado

Fã-clube de bandido

Porre de angustura

Índio de bermuda

Buda sem bunda

Poeta tampax

Amor express

O belo amando o feio

O bem fazendo o mal

O muito transformado em pouco 

e vice-versa

Prazer misturado com suplício

O belo transmutado em nojento

A poesia-síntese 

garimpando

a sintaxe perfeita.


























                    meus sete pecados capitais

                      ( e o que eu preciso urgentemente mudar )




1. Me preocupar em demasia com o que os outros pensam de mim.

Foda-se os que me criticam ou julgam mal. Minha consciência

é meu implacável juiz. 


2. Tentar agradar todo mundo. Por mais que a gente faça, 

nunca estamos à altura das expectativas alheias.


3. Exigir demais dos outros. Cada um dá o que tem. O que

esperar do ignorante, do iletrado ?


4. Excesso de boa fé. Já não basta de quebrar a cara ?


5. Esperar por reconhecimento, respeito, reciprocidade.


6. Agir impulsivamente. Cansei de fazer merda por

conta de rompantes.


7. Expectativas exageradas. Nada como ter os pés no chão. 


 




 



                pare de encher o saco de Deus





Pare de encher o saco de Deus.

"Não pronunciaras o meu santo nome em vão", já esqueceu ? 

É um dos mandamentos que você teima em esquecer.

Pare de associar tudo o que lhe acontece à vontade de Deus,

cada um cava a cova de seu destino, para isso Ele nos

delegou o livre arbítrio, e cá pra nós, 

é muito comodismo

de sua parte deixar tudo nas mãos dele.

É patético ficar o tempo todo agradecendo, louvando,

como se as coisas boas que lhe acontecem sejam

uma dádiva divina, e automaticamente, uma prova

de que você é uma boa pessoa, sob a homologação 

do Altíssimo.

O que está longe de ser verdade, convenhamos.

Sob esta lógica falaciosa e facciosa, todos os poderosos, 

abastados e afortunados de toda natureza 

o seriam por deferência especial do todo-poderoso.

Não é por aí, claro. Mas é o que transparece desse 

tipo de discurso

religioso-louvaminheiro que muita gente professa.

Que não evita que a sorte mude, e desgraças e tragédias

advenham para todo mundo, basta dar tempo ao tempo.


Longe de mim desencorajar e muito menos 

desdenhar da fé alheia. 

Que cada um sente e exerce à sua maneira.

O que importa é neutralizar o estilo kamikaze de

de viver, excomungar a tristeza,

santificar a alegria.

O resto é heresia.








 


 










                                                     fulano de tal





Os ruídos da cidade rompem as litanias festejantes. 

A multidão obediente vai e vem, devidamente 

pautada e rastreada.

Ruminando causas perdidas.

Respirando o ar poluído da privacidade

vigiada.

No pleno gozo da liberdade sujeita aos humores 

de magistrados biltres.


A via modernosa trespassa-se no fio da navalha.

Qualquer descuido e a maionese desanda.

Do nada, a casa cai. 

Ao essencial averba-se o dízimo de pau e pedra.

Estraga-se a vida em excelsos jogos.

Dissolvida em desejos castrados e alegorias multimídias.

Desvirtuada por amores tortos, overdoses de funks 

do baixo meretrício.

A bulha dos inconformados exorciza os adoradores

de umbigo.


O tempo das verdades sonegadas guarda segredos 

enfurecidos.

Destextualizar a indignação coletiva inaugura a era

da pseudo-democracia.

Os paradoxos convivem naturalmente, até quando ?

O difícil desacomoda-se correndo riscos.

A incomunicabilidade é a trincheira da última bala.


Cúmplice de muitos e finos tratos, fulano de tal

rendeu-se a linguagem gloriosa e guerrilheira

da indignação recidiva, 

reconhecendo a dualidade de não sentir falta

do que não se vive sem.

Poderia ser alguém conhecido, alguém

entre inúmeras pessoas cuja existência ignoramos,

num tempo hipotético, de longos caules,

saindo do armário, nem doce nem amargo,

impregnado de valores abstratos,

o próprio proto-macho-moderno-hermafrodita

num rio de piranhas, morrendo de sede no

líquido amniótico, privado do sol da própria casa,

entre avencas, lírios, rosas, articuladas em tempos

difíceis, com fome de mísseis e amores putrefatos.


Um fulano de tal ungido e compungido pela palavra asfixiada,

avant la lettre a metafísica das loucuras, a fim de libertar 

o fogo trancado,

as cataratas de oceanos, em pleno exercício de remissão, 

para que as profecias se cumpram e os cardumes

de sardinha encontrem paz na pança das baleias.


Um fulano de tal que busca a perfeição que não existe, 

o entendimento que santifica o profano, saciar a fome que

alimenta a carne, despoluir o espírito do peso da salvação,

o alter ego mais cego que morcego, 

o candeeiro de estrelas cavalgando o olimpo, escassez ou

excesso, tanto faz.


Um fulano de tal que sonha partir desta para melhor triunfalmente,

perdoando a mágoa, liberto e reconciliado com as entristecidas

células, limpo de espírito, em paz com o Altíssimo, frutificado

sobre a terra o seu quinhão à criação, pronto para cumprir o

destino glorioso do Bardo Thödol. 


Que assim seja, AMÉM !   



















  



sábado, 11 de maio de 2024



                       gênesis e apocalipse




 

A salvação do planeta 

não tem data marcada,

mas o fim, sim, já faz

as honras da casa.


À beira do colapso,

alheia às causas e efeitos,

a força da natureza se antepõe

à luta pela existência.


Pesadelos à espreita, a radioativa 

ampulheta em contagem regressiva

emite os alertas, com a sucessão

de cataclismos de toda espécie.


Ergue-se o fênix dos ciclos da morte,

transmutado em egoica fraternidade.

Enquanto o gênesis e o apocalipse 

lacram o jardim do Éden.


  



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