terça-feira, 9 de julho de 2024


                                         relógio quebrado




A paisagem diz-me coisas incorrigíveis.

Vento e enxárcias se confundem e se fundem

em singela cumplicidade.

Andei, andei, até a lonjura brincar de ausência.

Tudo o que perdi paira como um amoroso 

conclave de lembranças.

Onde vivi a paisagem depura-se.

Cruel como um relógio quebrado.



domingo, 7 de julho de 2024



                suja e sem memória




Exima-se da vida que remexe as feridas.

Da vida que consome e fustiga.

Que de ódio e ira se irriga.

Em conformidade com o abismo e o pélago 

das diatribes.

Tão cauta e docemente cruel que atravessa 

os limites do tempo. 

De forma a perpetuar o pervertido, o prazer

de ferir.


Exima-se da vida proficiente em álcool, 

drogas, truculência.

Exímia em embustes e luxúria sem moratória.

Reinventada suja e sem memória.

Para glória do Pai Eterno.


 


                            ai de quem





Ai de quem reclama da vida de barriga cheia.

Faz jus a uma bela caganeira.


Ai de quem inveja e sacaneia.

Pois nunca sairá da merda.


Ai de quem joga sujo e trapaceia.

Acaba sem eira nem beira.





                     a última casca

                  ( ou o amor temporão)






O amor nunca acaba.

Mesmo quando acaba.

Enquanto há vida,

de um jeito ou de outro, 

o amor sempre se renova.

Nunca morre,

apenas muda de casca.


Digo-o porque amei e fui amado.

Fui feliz e desenganado.

A ponto de me endurecer o coração maltratado.

Mas eis que quando já mais nada esperava,

cansado e desiludido,

o amor ressurge gigante

da forma mais sublime e cativante.

Como só o amor por um filho pode ser.


Pois bem-vindo seja, meu novo 

e definitivo amor.

Que a vida te retribua a incomparável

felicidade que vieste me proporcionar.

Esteja certo de que mais que uma simples

casca,

é de uma armadura que este amor temporão

se reveste.







sábado, 6 de julho de 2024



                     o futuro é breve e sombrio





Em vão o cosmos articula  

o sangrento pacto com o desconhecido.

A realidade de fogo destrói o mundo postulado

pelo mistério de existir.

Um  homem morto na cruz resplende à clâmide 

da ciência austera e calma.

Úmida raiva verte lágrimas ardentes.

Quando, ao pé do Criador, o horror fecunda

as vigílias sem fim.


Fuga e pó cobrem o zênite malsinados dos horizontes.

Tudo fenece sob a paz estrelar do universo.

Em cada ríspida mudez, a fúria lasciva e louca

blasfema o amor.

A despeito da eterna luta da sobrevivência,

nascemos para incendiar as florestas e sujar os mares.

O futuro é breve e sombrio.


 




sexta-feira, 5 de julho de 2024



                                                    a beleza nunca morre





o que fazer das certezas que hoje

já não tenho ? 

o que fazer com tudo em que acreditava,

e que agora jaz em sono macio e terrível ?

onde foram parar os sonhos, a beleza crismada

da juventude extraviada ?

qual o destino do que já não é eterno ?


são tantas perguntas sem respostas

que aos poucos todos se igualam na desdita.

até os mais fortes se ajoelham

ante a maldição perene das desgraças.

só há paz na solidão dos cemitérios.

só há paz na libertação dos efêmeros prazeres.

só há paz nas coisas mais simples.

como toda matéria em movimento, 

a beleza nunca morre, apenas se esconde,

se transmuta.

os dias escuros iluminam os espíritos atormentados,

para que a fraqueza se transforme em heroísmo.

para que a monotonia atroz dos dias que não passam

perfume os caminhos mais solitários e vazios.



segunda-feira, 1 de julho de 2024



              chegar é o mesmo que partir





É preciso viver além da vida para perscrutar 

os hemisférios da alma.

A fim de que o pó se decomponha em antimatéria.

E o findar da mísera farsa possa resolver-se, a despeito 

do mutismo exaltado dos claustros.

Que estranho instante-luz é este que revive 

a urdidura do querer subjacente ?

É precisamente impossível prever o momento

em que o carrossel da vida desanda.

Pessoas e estrelas se olham, desapontadas.

O mundo antigo enche a mansa manhã de vazios.

Distraídos, amor e luto vestem o mesmo corpo.

A força do querer abarca a amplidão que desencaminha.

Tudo se funde em partes sangrentas, tédio escuro perpetua

o desespero humano.

Acreditamos, vagamente surpreendidos, que amar é divino,

enquanto arranca do mais fundo a tua pureza.

Com a porta aberta e o coração partido, chegar é o mesmo

que partir.






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