sexta-feira, 8 de novembro de 2024


                      chororô



Só quem viu a cara hedionda da morte.

Só quem se viu sozinho, abandonado, largado,

sem ter para onde ir, com quem contar.

Só quem se viu pregado num leito de hospital,

à mercê de estranhos, sendo furado, cortado,

sem forças para nada.

Só quem perdeu os pais prematuramente, um filho,

a família.

Só quem se viu sem dinheiro, endividado, sem recursos 

para viver com um mínimo de dignidade.

Só quem perdeu a fé, a esperança, 

a vontade de viver. Só quem passou e sofreu

por semelhantes provações,

é capaz de entender o verdadeiro 

sentido da vida.

Tudo mais é perfumaria. 

Chororô de criança mimada.






quinta-feira, 7 de novembro de 2024



              sêmen sujo





Quando a vida desossada encarna

o entusiasmo das torturas,

assombros infernais abraçam o silêncio 

investido de retóricas complacentes.

O sono cansado espera o azado perquirir 

de quem erra. 

Nada é pouco para o finito.

A força que nos impele envelhece cercada de zelos.

Água sem fonte escorre das paisagens defasadas.

Bocas sem haustos louvam o esplendor do desconhecido.

De ramo em ramo as flores se alteiam, possuídas.

Afogados na lama, gerações de boçais 

glorificam o sêmen sujo.

Uma vez expostas as qualidades estéreis,

a verdade engasga com a falsa fala

e o peixe pesca o pescador.


Nada permanece.

Não há vitória nem derrota.

Não há guerra nem paz.

Não há conquistas nem fracassos.

Não há dor nem prazer.

Nada que dure para sempre.

A razão que enlouquece atesta o jugo emocional.

O que nos impede de ganhar dinheiro

é o que nos impede de ser avaro. 

O focinho da besta deixa-se acariciar

brutalmente,

vorazmente,

posto que aceito

o pacto

o arguir aristotélico

penetrando a grave célula

em que tudo afunda

enquanto se aprofunda 

a perpétua face dos infortúnios.

























 



   

quinta-feira, 31 de outubro de 2024



                    almas sem asas





Nos dias em que nada acontece, almas sem asas 

alçam voo sobre as vertentes do tempo.

Exalando ideias e ideais ordinariamente dispersos.

Quando sem rumo nem consenso, o coração assombrado 

aprende a viver sem impostura.

A glória dos flagelos prefere os descaminhos.

A mentira, velha senhora, ainda circunda as ameias.

Monótona, a vida emperra na instantaneidade 

mundana.

O primado das heresias introduz-se, adulterando 

as elegias da inocência.

O caos ferve em louvor ao sobre-humano,

para expulsar a dor do Paraíso. 




 

terça-feira, 29 de outubro de 2024

            Entre quatro paredes



Entre quatro paredes

O aconchego

O riso

Os sonhos amanhecidos.


Entre quatro paredes

O refúgio 

A solidão

As lembranças esmaecidas.


Entre quatro paredes 

A violência doméstica 

O sexo

Crianças estupradas.


Entre quatro paredes

A vida emparedada.




segunda-feira, 28 de outubro de 2024



                    amor sem juízo



O que fazer com o coração sem juízo,

consumido por um amor que, de repente,

nem amor é ?

Atado à decrepitude,

a fantasias destrambelhadas, oh, musa temporã,

quanto mais a nego, mais a quero.

Mexe comigo como uma miragem aos sentidos.

Me faço de cego,

vira-e-mexe mando-a às favas,

mas como fugir ao frenesi da carne,

ao fogo frio da paixão que não envelhece ?

O amor de um homem velho desconhece

sua própria magnitude.



domingo, 27 de outubro de 2024


                    os vermes do esquecimento



o sol frenético escapa pelas frestas,

enquanto lá fora 

meus próprios pés me pisoteiam.


na brancura dos dias, o que eu

sei sobre a alheia bravura ?

apalpo a memória

funestamente perfeita

sem me encontrar.


nesse exato momento alguém lembra

de mim como falésias à deriva.

o ludíbrio engorda os vermes

do esquecimento.

de tudo isso que sou,

não sobrou nada.




                    amor sem fim



do alto do meu eremitério

um amor sem fim 

supre

o compassivo e ardente coração.


a vida dá e tira, bem o sei, 

"os tristes e alegres sofrimentos da gente"

(João Guimarães Rosa).


meu amor sem fim partiu

mas não o que representou.

nunca acaba o que vive

eternamente dentro de nós.



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