segunda-feira, 6 de abril de 2020

             

                                                                obsolescência




                           
A gente está sempre se enganando.
Acreditando em quem não deve.
À espera do improvável.
Do quê nunca acontece.
E isso vai nos matando aos poucos.
Pessoas, situações, cada decepção deixa marcas.
E a descrença cria raízes, passamos a duvidar 
de tudo e de todos.

A arte de viver se dispersa em dores punitivas 
e fadigas.
A vida que me foi dada, aos poucos solapada.
O jogo divertido e as lutas sofreadas enroscados 
no roteiro de equívocos que se abraçam. 
Que tudo abarcam,  à míngua de qualquer razão 
para continuar acreditando.

No entanto, a crença irrefletida permanece.
E na trama que destrama, que ressurge, 
e pune, a vida, o amor,
rebaixados à condição de mera utilidade.
Na desordem que se espraia, 
a obsolescência silente e melancólica jaz,
compassiva, permissiva, letal.
Deus me livre de ter esperança.




























domingo, 5 de abril de 2020





           
     o beco do gato







O Grande Irmão foi passado para trás.
Pode tudo ver, a todos vigiar, mas não manda. Não decide.
Sabe até a cor da cueca da gente, mas quem escolhe o modelo,
quem decide o que comemos, no que acreditamos, é alguém ainda mais invasivo e poderoso.
Além de onipresente e onipotente, se infiltra, se imiscui, 
penetra em nossas mentes, adestra, tange, faz a nossa cabeça, 
nos condiciona, transforma, influencia, avilta, prostitui.
Nada se compara a seu poder.
Nem o céu é o limite. Tem tudo armazenado, a tudo
devassa a um simples toque de dedos.
Fala todas as línguas mas só obedece aos algoritmos. 
Cujo domínio pôs o mundo nas mãos  de semi-deuses cibernéticos, que nem o Grande Irmão preconizado por Orwell faz frente. 
A Internet é a novilíngua por excelência,  a verdade reinventada ao gosto do freguês.
É a mentira institucionalizada que permeia a política, o comércio, 
a religião, o jornalismo.
Nem as relações pessoais escapam.
Sobretudo, elas.
O último refúgio da humanidade, que sob a ótica distorcida 
da realidade virtual, se vê como no espelho grotesto
do Beco do Gato, de Valle-Inclán.
Onde a sós e desarmados, nos imaginamos, incautamente,
melhores do que somos.












































sábado, 4 de abril de 2020




                            a lei das selvas






A vida exige que tiremos forças de onde não há.
Que tenhamos a sabedoria que só o tempo ensina.
Que sejamos compreensivos, solidários,
resilientes.
Mesmo sendo desencorajados
de todas as maneiras.
Por tudo e por todos.
Posto que nada nem ninguém
é confiável.

Ah, a vida ! Sempre a exigir, mais e mais.
Nunca se satisfaz.
Nunca encontramos paz.
Sempre há pecados a pagar.
O que vai dentro de cada um, é um mundo
insondável, miserável.
Que tentamos de todas as formas disfarçar.
Para não se expor.
Pois quem se expõem, se fragiliza.
Quem fraqueja, sucumbe.
No fundo, tudo remonta à velha lei
das selvas.
Comer ou ser comido. 













                                     
                   Lobo solitário



                     




































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