sábado, 31 de agosto de 2024


             o alfabeto dos sonhos




Outro recomeço, digam-me, sábios de plantão,

por onde começo ?

Como trocar o ausente pela existência do que

ainda não existe ?

Se o que mal terminou ainda é banquete farto 

para lobos e hienas ?

Digam-me como costurar as linhas do tempo 

com as agulhas do perdão ?

Como convencer as sepulturas a reviver os mortos ?

Como reconstruir as pontes queimadas,

convencer as mãos da luxúria a soltar às rédeas ?

Como trocar o que fui pelo que quero ser ?


Recomeçar é mais difícil do que começar.

Não há mais margem para erro.

O barro dos recomeços é feito de despojos delicados

e cadáveres perfumados.

A busca por um lugar em lugar de outro é como convencer

o relâmpago a dançar a dança do trovão ( segundo o poeta

Adonis ) *.

No entanto, é preciso recomeçar. 

Convencer-se de que é capaz de reescrever

sua história.

O alfabeto dos sonhos não se desaprende.



* Ali Ahmad Said Esber, poeta árabe.



 



       assim tão pouco, e muito !



Tenho fé mas não creio.

Creio mas não confio.

Não faço mais parte dessa trama.

Ainda durmo de pijama e mesmo já não crendo,

rezo antes de dormir.

À quem rezo então ?

Sei tão pouco de mim, como vou saber ?

Desentendo tudo o que aprendo.

Mas já me dei conta que é difícil morrer

quando se quer morrer.

Do contrário, já teria partido desta para melhor (?).

Deus sabe o que faz, é o que dizem.

Assim tão pouco, e muito !





sexta-feira, 30 de agosto de 2024



                     novos tesouros





De tudo e por tudo,

o esquecimento é uma benção.

Mesmo os melhores dias, convém não por

acima dos demais.

Sob pena de estabelecer padrões fora do normal.

Por melhor que tenha sido o passado,

o presente é tudo que há.

E em não sendo possível voltar no tempo,

o que nos cabe é descobrir novas alternativas,

novos tesouros.

O sol sempre brilhará para que tiver olhos

para ver.

Se tudo hoje é enfadonho e vulgar, a quem culpar ?

Para quem esqueceu de esquecer, a sensação

do provisório fustiga e atormenta.

Dependente do que foi, em detrimento

do que poderia ser.


 

quinta-feira, 29 de agosto de 2024




                   o cara ou coroa da vida





Falta-nos conhecimento

Falta-nos discernimento

Falta-nos bom senso

Falta-nos altruísmo

Falta-nos honestidade

Falta-nos lealdade

Falta-nos amor ao próximo

Falta-nos tudo

Em maior ou menor proporção

Conforme as circunstâncias

Ninguém é melhor que ninguém

Quando a vida nos põe à prova

Tudo pode acontecer

Coragem ou covardia

Dignidade ou baixeza

Vida ou morte

Sorte ou azar

São faces da mesma moeda

No cara e coroa da vida

Deus lava as mãos.



terça-feira, 27 de agosto de 2024

                

                 realidade e fantasia *

                           


Maior é sempre a dor

de não saber por quê dói.

Se não é por amor

Se não é por desamor

Por que dói ?


                Como era azul e grande 

                o meu sonho.

                Realidade e fantasia passaram 

                em direções opostas.

                Lentamente, o sonho sumiu,

                caiu no esquecimento,

                enchendo minha alma 

                de uma onda calma de arrebatamento.


* Reescrevendo Verlaine



                sentimentos que procuram sentimentos





A gente não faz ideia da força que tem.

Não tem noção do que é capaz, quando posto à prova. 

Não só em função do prodigioso instinto

de sobrevivência,

presente em todas as espécies, mas, sobretudo,

pelo poder imanente dos sentimentos.

A força de querer, amar, odiar, a tudo transcende. 

Na criatura que se divide em proezas e utopias.

Na fera reprimida e contida por grades seculares.

Naquele que luta e não se entrega,

que se revolta e se enternece,

que ri e chora, 

que educa e doutrina,

que aconchega e repudia, com a mesma intensidade.


Nada é mais poderoso do que sentimentos

que procuram sentimentos.

Do sublime que acalanta e consola.

Do toque que inunda e remexe os sentidos.

Da compaixão que humaniza e aproxima as criaturas.

Da paixão que alucina e desencaminha.

Do amor gratuito e improvável, como

de uma prostituta que dá de graça.  







            monstros bondosos




Contra a correnteza, o fundo iluminado dos becos escuros 

perturba as baleias. 

Claustros de cinzas submersas dispersam

o oceano de corpos.

Infusões de sol gelatinoso perseguem os cardumes

como setas incandescentes.

Grãos perpétuos incrustam as asas verdes da esperança.

A verdade persuade como redes secando ao sol,  

enquanto saboreia o paladar da discórdia.

O desencanto começa com um bom dia e monstros

bondosos.

Ter um motivo nobre para viver é um luxo para poucos.

A maioria apenas vegeta.

Onde há esperança, a razão dá de ombros.

Quem julga não se contenta com pouco.

As postulações sem nexo não temem as aparências.

Por descuido, amor e sofrimento imolam-se

em secreto sacrifício.  

Os predadores de si mesmos são meus vilões favoritos.









 

Postagem em destaque

                           livramento Não julgue um homem que corre atrás de uma mulher. Por acreditar que as migalhas que recebe é amor. Qu...