sábado, 10 de dezembro de 2016


                             nenhuma, nenhoutra *




      

Uma parte de mim é transparente,
a outra inconstante, divergente. 
Uma é inerente, 
a outra insolente, contundente.
Uma parte é insipiente,
a outra é incandescente, caliente.

Uma parte de mim é intransigente,
a outra é paciente, indulgente.
Uma é beligerante, intermitente,
a outra é irreverente, malemolente.
Uma parte é benevolente,
a outra mente.

Uma parte de mim é gente.
A outra, indigente. 
Uma parte de mim é o que eu sou.
A outra, o que finjo ser.
Uma parte é dueto.
A outro, minueto. 
Uma parte, parte.
A outra, reparte.
Uma e outra são partes
da mesma parte.
Uma.
Outra.
Nenhuma, nenhoutra.


* (devo essa variante à Ferreira Gullar )

 

sexta-feira, 2 de dezembro de 2016



              PARA TODOS E PARA NINGUÉM 





Não escrevo para ser agradável.  Não escrevo para fazer proselitismo, para quem tem ouvidos moucos, cegos que não querem ver.
Não escrevo para os fracos, para que não se sintam melindrados; nem para os raivosos, que reagem com a bílis e agressões gratuitas.
Não escrevo para idiotas, que de idiota já basta eu. Não escrevo para intelectuais, doutores, bacharéis e eruditos de antanho, com suas prendas e bordados, para não passar vergonha ou ensinar o pai nosso ao vigário.
Tampouco escrevo para autodidatas, diletantes, neófitos nas artes e das artimanhas da vida. Nem para os crentes, abduzidos de esquerda e direita, e sobretudo, chatos em geral, os tais que brilham feito ouro de tolo.
Não escrevo para o público, que já tem ícones e oráculos à rodo, além do gosto especial por apedeutas, salafrários e meliantes em geral, ungidos aos mais altos cargos e com direito a chave do cofre. Minha mensagem é mais modesta e errática, tipo aqueles escritos confinados em garrafas que boiam em mares revoltos, até lançadas n`alguma praia ignota ou sumirem sem deixar vestígios.     

Não escrevo para impressionar, esclarecer, e muito menos matar a cobra e mostrar o pau. Não escrevo para provocar, ter razão, estou mais para desafinar e sair pela tangente, pois cansei de bater de frente e sair mal na foto.

Não escrevo para convencer ninguém de nada, muito menos do que não tenha convicção, ou seja, sobre pouco ou quase nada. Não escrevo para mostrar um conhecimento que não tenho, leigo que sou em quase tudo, mas cioso do papel de eterno aprendiz.
Não escrevo para contar histórias que não sei, posto que nada de extraordinário vivi; e o que vivi, possivelmente não interesse a ninguém, embora seja o meu bem mais precioso, confinado em algum ermo canto do meu coração. 
Não escrevo para ser compreendido, e muito menos admirado ou amado, tal qual um Paulo Coelho repaginado, ciente de meus parcos conhecimentos e habilidades. Não escrevo para dar lições de moral e bons costumes, para não parecer um anacronismo nesses tempos de moralidade elástica e costumes desvirtuados.
Não escrevo para os politicamente corretos e falsos moralistas, que no apagar das luzes seguem o velho mantra "faça o que eu digo, e não faça o que eu faço".  Tampouco escrevo para os que ficam em cima do muro, para os que não fedem nem cheiram, as "maria vai com as outras", os que não cagam nem saem da moita, e por aí adiante.

Isto posto, para quem escrevo, afinal ? Para todos e para ninguém, por supuesto.  


     



sábado, 5 de novembro de 2016

                    

               ENQUANTO SEU LOBO NÃO VEM


Tirei o dia para ser feliz.
Dei folga à melancolia,
tristeza hoje nem pensar.
Botei na cabeça que a vida 
pode ser boa,
que é só agir direito
que a recompensa vem. 
Pode demorar mas vem.
Pode vir a pé ou de trem, mas vem.
Sempre há uma luz no fim do túnel.

E se não vier, 
tudo bem, também.
Pois se há uma coisa que a vida ensina
é não esperar nada de ninguém,
não alimentar ilusões e falsas expectativas.
Melhor antídoto não pode haver.
E se acaso alguma surpresa acontecer,
surpresa boa para variar,
serão bem-vindas.
Sinal de que nem tudo está perdido.

Hoje quero ser feliz.
Meio de marra, meio na marra, 
deixar de lado as queixas e o azedume,
esquecer dos problemas
reais e imaginários.
Das carências, das ingratidões,
da sofrência.
Enfim, viver.
Enquanto seu lobo não vem...









quarta-feira, 2 de novembro de 2016


                               CARPE DIEM





Nada mais difícil e desafiador do que lidar com nossos demônios. Nem falo da onipresente legião de psicopatas, sociopatas e degenerados que foge aos padrões comportamentais normais, que tem o demônio como amigo do peito, mas de pessoas normais, como eu e você que me lê, e que por mais que se esforcem,
que sejam tementes a Deus e tudo mais, vira e mexe sucumbem aos ímpetos e impulsos mais baixos e primitivos. 

Das pequenas vilanias e pecadilhos, de resto inevitáveis no pega pra capar pela subsistência, aos delitos mais graves, passíveis de repulsa, execração pública e punição, a questão central da humanidade tem transitado entre a resiliência e a permissividade. Ou seja, ao modo como lidamos e tratamos com as transgressões ou mesmo as simples tentações - começando pela que causou a expulsão de Adão e Eva do Paraíso - que se não chegam a ser caso de danação eterna, nem por isso são inofensivas, inconsequentes. O castigo pode demorar, cozinhar em banho maria, mas a hora da verdade, o dia da prestação de contas, geralmente dá as caras antes mesmo de partirmos desta para melhor, corroborando a tese de Sartre de que o inferno é aqui. No que, aliás, acredito piamente.

Faz parte da natureza humana nunca se satisfazer com o que tem. 
Por mais que se tenha, por mais que a vida nos sorria e seja camarada, sempre falta alguma coisa, sempre há motivos para reclamar, botar defeito. O que frequentemente nos impede de ver, dar valor e usufruir das dádivas que recebemos. A começar pelo privilégio de gozar de saúde, da companhia de entes queridos, e de poder curtir os momentos prazerosos que daí advém. 

Mas, não. Por razões que a própria razão, como diz o estribilho do velho clássico "Aos Pés da Santa Cruz", do grande Orlando Silva, no mais das vezes optamos pelo caminho mais difícil. Mais difícil e espinhoso, como não tardamos a descobrir, pois como reza a máxima lei justa da natureza, que transcende a religiosidade, aqui se faz, aqui se paga.  

Mudar esse comportamento doentio e exorcizar os demônios, é o grande desafio que nos consome e atormenta o espírito. Uma busca por respostas que passa pela conscientização e introspecção, que muitos procuram em consultórios de psicólogos e psiquiatras, mas que impele a grande maioria à subterfúgios como a bebida e as drogas, e à própria religião. Que bem ou mal - e apesar de não deixar de ser uma espécie de droga -, é o que tem mantido o mundo mais ou menos habitável.

Habitável, porém, hostil, cruel, e essencialmente injusto. Tanto que sempre primou por colidir e contrastar com os próprios conceitos e crenças que fundamentam nossa precária civilidade. Cânones estes, como todos sabem, erigidos basicamente sub a luz de duas vertentes : o pensamento clássico, calcada em princípios éticos e comportamentais inspirados na cultura helênica; e a doutrinação religiosa, cujo dogmatismo muitas vezes obscuro e sectário tem sido a antítese da racionalidade, na medida em que responsável, juntamente com o fator racial, pelos conflitos e desavenças da humanidade. 

Navegar nesses mares turbulentos configura a grande alegoria da vida, cujo sentido ninguém sabe ao certo. A não ser que tudo é efêmero, e como tal, como escreveu o poeta latino Horacio há mais de 2 mil anos:  carpe diem, quam minimum credula postero
Ou seja, demônios à parte, o grande barato é viver a plenitude de cada momento, sem maiores dramas e preocupações demasiadas com o amanhã.










   


              NOSSO PARDAL DE ESTIMAÇÃO
                            

Como toda criança, houve época em que meu filho pequeno queria porque queria um bichinho de estimação, mas para fugir um pouco ao lugar comum, que não fosse cachorro ou gato, que ele mesmo descartou por entender dos inconvenientes de criá-los em ambiente confinado como um apartamento. Dentro deste mesmo prisma, vários outros foram cogitados sem que nenhum empolgasse, e com o tempo a vontade foi passando e o assunto deixado de lado. Até que o acaso encarregou-se de colocar uma criaturinha (um ser-humaninho, como diria o humorista Marco Luque) para, por assim dizer, completar essa lacuna em nossa família : um filhote de pardal literalmente resgatado da sarjeta.
O fato deu-se há cerca de um ano, num sábado à tarde em que, como de costume, meu filho Breno brincava no quintal da casa dos avós, quando, com aquele olhar aguçado de toda criança esperta, avistou algo estranho se debatendo rente ao meio fio da calçada. Imediatamente, pulou da bicicleta e foi correndo chamar o avô, pois estava desconfiado que um filhote de passarinho havia caído do ninho. E não deu outra : era mesmo um raquítico e feioso filhotinho de passarinho, naquelas condições, impossível de identificar de que espécie seria. Como naquele mesmo instante ouviu-se um bem-ti-vi cantando por perto, pronto, deduziram todos, só podia ser a mãe aflita com a perda do filhote. 
E foi assim que a notícia ganhou o mundo : o Breno havia salvo um filhote de bem-ti-vi. Pensando bem, quase um milagre, considerando a queda de algum ninho ou do próprio bico da mãe, e ter ficado ali na calçada, sabe-se lá quanto tempo. A questão era saber se sobreviveria, de tão frágil que parecia, e ainda mais sem a mãe por perto para alimentá-lo. Pois só ela para providenciar o tipo certo de alimentação do recém-nascido. 
Como não parava de tremelicar e abrir o bico desmesuradamente grande a qualquer movimento, foi-lhe improvisada uma caixa de sapatos como ninho, devidamente forrado por um pano felpudo, ao 
qual logo se adaptou. Faltava providenciar algo para saciar a fome que parecia grande, o que foi resolvido com uma papinha rala de água com farinha de fubá, injetado com uma seringa diretamente na goela do bichinho esganado. Mesmo aceitando bem a comidinha, ficamos na dúvida se ele conseguiria sobreviver, fora de seu habitat natural e longe da mãe, pois além da esqualidez pairavam dúvidas se não sofrera algum ferimento interno, devido a queda.
Mas para nossa surpresa e alegria - e digo nossa porque logo a história do resgate do filhotinho se espalhou pela família toda  e amiguinhos do meu filho -, ele não só aceitou bem a alimentação, como em duas ou três semanas já se mostrava mais fortinho e com penugens surgindo do corpinho. Foi quando vimos que o Benjamin, como foi batizado por minha mulher, não era um bem-ti-vi, como supúnhamos, e sim um pardal, e com um detalhe: tratava-se de uma fêmea, segundo o dono do aviário consultado para saber como cuidar do passarinho-mascote. 
A novidade não mudou em nada o cuidado e o apego pelo filhote, que por força do hábito continuamos a chamar de Benjamin, com direito ao apelido de tchú-tchú, ou simplesmente tchú, por tratar-se de uma fêmea. E que contra todos os prognósticos de que ganharia o mundo tão logo se sentisse seguro, ainda mais criado solto, pois não tivemos coragem de deixá-lo preso numa gaiola, nada de bater asas. Seu cantinho ficou sendo o umbral de um janelão que separa a cozinha da área de serviço, onde estrategicamente se empoleirou, com visão livre e ao lado do fogão, por uma razão toda especial : era dali que saiam os deliciosos aromas e petiscos que se tornaram seus favoritos, por sinal, os mesmos do meu filho : pão de queijo, macarrão e batata frita. E no desjejum, me fazendo companhia logo cedo, uma lasquinha de mamão e pão integral. Pode isso, Arnaldo ?

Não é à toa que até hoje nunca tenha esboçada a intenção de bater asas, escafeder-se por esse mundão à fora. Tudo que fez foi dar uma voltinha pela rua, digamos assim, quando num certo domingo, ao trazê-lo para tomar sol na sala, de repente alçou voou pela janela, e num primeiro instante sumindo de nossas vistas. "O tchú voou pela janela, e sumiu", gritei para minha mulher, que sem pensar duas vezes, desceu para a rua, de pijama e tudo, e pôs-se a chamá-lo, aflita. E eis que ele reapareceu, saindo debaixo de um carro que estava estacionado, saltitando, acreditem se quiserem, em direção a minha mulher. "Olha ele ali, mãe !", gritou meu filho da janela, chamando a atenção de quem passava pela rua, admirados com a cena insólita do reencontro de um pardal com sua dona, ou mãe adotiva, pois é este o status do pardalzinho aqui em casa : o de um filhinho caçula. Como, aliás, os bichinhos de estimação em geral são tidos.
Pode não ser o passarinho mais gracioso do mundo, o nosso pardal, mas convém não subestimar o seu papel na natureza. Como fez o fundador da república da China, Mao Tsé tung, em 1958, que por pura implicância - e ignorância - decretou que a espécie deveria ser eliminada no país. O que nos anos seguintes levou milhares de pessoas a morrer de fome, devido a proliferação de insetos e pragas que acabaram com as lavouras.  
Ou seja, o nosso pardalzinho tem lá seu valor...






    



  

terça-feira, 4 de outubro de 2016

                         A RESPOSTA DAS URNAS


 Não poderia ter sido mais contundente a resposta das urnas à questão central que motivou as eleições municipais, e que de certa forma, não deixou de ter um caráter de plebiscito sobre a aprovação ou não da sociedade à deposição de Dilma e a criminalização da máfia petista pela Lava-Jato. Mais do que um formidável cala-boca à inconformada militância petista e, em particular, ao próprio ex-presidente Lula, cujas previsões de respaldo popular ruíram fragorosamente, a rejeição ao partido mesmo em grotões tradicionais deixou claro que golpe por golpe, calou mais fundo o da roubalheira e do estelionato eleitoral nas eleições presidenciais de 2014, engendrados pelo PT.

Não  que o repúdio ao petismo e a seus métodos signifique anuência e aprovação ao novo governo, e muito menos a absolvição da classe política por mazelas que na verdade envolveram quase todos os partidos. Nem mesmo para os dois mais votados - o PMDB conservando o maior número de prefeituras e o PSDB assumindo o protagonismo nos grandes centros urbanos -, cuja votação foi inferior ao número recorde de abstenções, quase metade do eleitorado.

Uma clara demonstração de descontentamento que não pode ser ignorada, e que como lembrou o presidente Temer, num rasgo de auto-crítica, não é apenas em relação ao PT, e sim a toda classe política. Algo que ficou explícito na surpreendente e inédita eleição já no primeiro turno de João Dória à prefeitura paulistana, e cuja condição de estreante sem dúvida fez a diferença.                                          















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                      o palhaço da Criação Justiça seja feita à espécie humana : não há nada mais tosco e degenerado no reino de Deus. Filho...