domingo, 14 de julho de 2019



                          SORVETE COM GRAPETE 



O cine Astral ficava em frente do apartamento dos meus avós maternos, e nas tardes de domingos, era o epicentro do encontro da juventude de Cachoeira do Sul, no coração do Rio Grande do Sul, onde nasci. Não era sempre que ia ver os filmes, pirralho entre 5 e 6 anos, ficava por ali para trocar gibis. Os preferidos eram o Superman, Batman, Tom Mix, Roy Rogers, Mandrake, o Fantasma que Anda, Tarzan, mas tinha também a turminha da Disney, e o meu favorito, Os Sobrinhos do Capitão. 
Eram tardes mágicas, em que gostava de ficar no hotelzinho da madrinha Éli, quase do lado do cinema, uma segunda mãe para mim, foi o primeiro baque da minha vida ela ter morrido tão cedo, antes dos 50, num câncer fulminante. Para completar, era dia de encontrar as primas Tuti e Tania, duas bonecas lindíssimas, sempre chiques, filhas dos meus padrinhos Lucila e Ornaldo Rodhe, os endinheirados da família. Eu e meu primo Itamir rivalizava-mos no intento de impressionar as duas, sabem como é, quem não nutriu uma paixãozinha secreta por uma prima ? Três anos mais velho, o primão obviamente levava vantagem nesse metier, já mostrando os dons de oratória que sempre o distinguiram. Íamos a uma sorveteria próxima, com a priminha Mara às vezes de vela, onde nos esbaldávamos de sorvete com salada de frutas, ou misturado com Coca-cola ou Grapete, de uva, o meu preferido.
Já a minha especialidade era aprontar. De todas as maneiras imagináveis, era onde de meu primo pacatão me desforrava. Vivia metido em brigas e travessuras épicas, notadamente no portentoso engenho do vô Alvino, o Ordem e Progresso, até hoje virtualmente abandonado por conta de falcatruas que um genro de meu tio aprontou envolvendo o Incra. Triste sujar assim o legado do meu avô, mas assim é a vida.
Vêm daí minha certeza de que Deus designou um Anjo da Guarda poderoso para me proteger, porque, francamente, foi um milagre eu não ter morrido naquele engenho. Imagine um depósito gigantesco, de um quarteirão, de uns 30 metros de altura, carregado quase até o teto de pilhas de sacos de arroz, pesando por volta de 50 quilos, com estreitos corredores, onde passava boa parte do dia pulando para lá e para cá, abrindo esconderijos junto as paredes, buracos em que me escondia para os empregados do vô não me acharem. Mesmo ele dando ordens expressas para brecar nossa entrada, sempre dávamos um jeito de burlar a vigilância, e lá dentro ninguém nos achava, éramos terríveis. E meu primo quase sempre pagava o pato, como mais velho, devia dar o exemplo, e o tio Frantz era foda, arreava o cacete nele. 
Eu até nisso dava sorte, meu castigo se limitava aos puxões de orelha da minha mãe, meu pai era um doce, desconfio até que ele se divertia com minhas artes. Me lembro de uma vez só em que apanhei dele de cinta, muito barato pelo que aprontei.
Mas isso porque eu era um estrategista, quando sentia que a coisa estava feia tratava de escapulir, passava o dia inteiro fora, esperava a poeira baixar e só voltava à noite, quando a braveza dos velhos já tinha se transformado em preocupação. Como num dos maiores aprontos que fizemos, quando num domingo em que o engenho não funcionava, passamos a manhã puxando baldes de brita para o telhado do prédio, uma baita trabalheira, tudo isso pelo prazer sádico de jogar o cascalho do alto nas pessoas que passavam na calçada. 
Em poucos minutos formou-se um aglomerado na rua, e tratamos de dar no pé, descendo pela escadaria da enorme chaminé dos fornos de descasque de arroz. Eu consegui me safar, mas meu primo já tinha o tio Frantz à espera, e a surra, com uma mangueira de água, deixou marcas que ficaram por semanas, ele mais puto ainda por saber que eu, o arquiteto da coisa, mais uma vez havia me safado. Tinha pulado o muro para uma fundição que funcionava ao lado de casa, cheia de máquinas e caldeiras antigas, onde também ninguém me achava.
E isso não é nem dez por cento das peripécias que marcaram aquela fase entre os 5 aos 10 anos em que vivi em Cachoeira, até mudarmos para Curitiba, e começar outra etapa inesquecível da minha rica existência. Que aos poucos vou debulhando aqui. 







  
minha amiguinha Joyce Losekann


























  
                       Familia Berger, anos 60, já em Curitiba









                               
                            O CÁLICE







Nunca sentirei de novo o que um dia senti
Nunca mais terei o que tive
Nunca mais as mesmas emoções, os sonhos.
Tudo foi único, inigualável.
Besteira negar só porque acabou.
Desmerecer em função de malogros de resto normais
e previsíveis
Posto que nada dura para sempre

O que não significa que não possa 
Reviver algo parecido
Igualmente especial
Em alguns aspectos até melhores
Por agora saber valorizar cada momento
Se tiver a sorte de amar de novo

Um amor diferente, mais maduro, consciente.
Incapaz das loucuras de antigamente
Mas ainda assim prazeroso e intenso
Como um bom vinho
Explorado até as últimas consequências
Sorvido até a última gota
De um cálice prestes a esvaziar
E o qual, por isso mesmo
Não posso nem quero
Afastar ou quebrar

Sempre que possível, 
Brindemos, pois, 
À vida. 
Aos recomeços.











sábado, 13 de julho de 2019



                     










                   sem meias palavras



Aqui abro meu coração. 
Conto meus segredos, meus anseios,
minhas contradições. 
Aqui é meu confessionário.
Sem direito à perdão. 
Mesmo porque não me arrependo de nada.
Hoje, não mais.
Posto que inútil,
E se errei - e errei bastante, 
também penei, fui sacaneado.

Não é à toa que estou só. 
É o preço à pagar.
A cota que me cabe nesse latifúndio.
Ao qual estou me acostumando.
E aos poucos até gostando.
Sem precisar dar satisfações a ninguém.
Agradar por agradar.
Posso ser o que eu sou.
Um farsante, há quem diga.
Não ligo.
Sou isso que mostro aqui. 
Cheio de defeitos, volúvel.  
Como aquele personagem do Garcia Marques,
o coração com mais cômodos 
que uma casa de putas..










                       deixar acontecer


Por que tinhas que ir embora ?
Estava tudo tão perfeito aqui, completo.
As horas passaram e nem sentimos.
Entre a animada conversa, o almoço dos deuses,
e o melhor sexo do mundo, o tempo voou,
Tarde se fez, por que tinhas que ir embora ?

Agora, esse vazio.
A cama desarrumada.
A louça por lavar.
A música sem graça,
depois que cantaste pra mim.
Olhos nos olhos, quase acreditei nas juras
de amor sincero.
Por que tinhas que partir ?

Sim, eu sei, precisavas ir.
Tens família, tua casa, coisas à fazer.
E eu, o que sou para ti, afinal ?
Não, não quero saber. 
Não preciso saber.
Deixa acontecer, como tu dizes.
E nesse ínterim, apenas viver.
Curtir os momentos.
Em que a ilusão de ser amado é suficiente.















quinta-feira, 11 de julho de 2019





Pior que a ingratidão e a falta de reconhecimento é cuspir no prato que comeu. Por defeitos naquilo que ganhou de mão beijada e sequer fez jus. 


           
                                             sábios de araque



                    

Não tenha certezas.
Prefira a clareza.
Certezas são sintomas de fraqueza.
Fechar-se em convicções e conceitos
quando nada é certo.
Nada é definitivo.

Das certezas que tive, 
pouco ou quase nada sobrou.
Naquilo que acreditava piamente,
nas pessoas, no amor,
quanto dissabor !
Confiar cegamente, que grande erro !
Ninguém é confiável.
As coisas mudam, mesmo o sol
que nasce e se põe todos os dias,
nunca nasce e se põe do mesmo jeito.
O que hoje se tem, amanhã não vale mais.
Não existe mais.

Nas certezas, nos refugiamos.
Nos fechamos.
Nos limitamos.
E caímos do cavalo.
Quebramos a cara.
Quando tudo se revela enganoso,
circunstancial.
Às vezes, tarde demais para consertar.

Discernimento, clareza de ideias,
eis o que é preciso buscar.
É tudo que precisamos.
Errando, reconsiderando, questionando
as certezas dos sábios de araque.






  

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