domingo, 10 de julho de 2022



             ser ou não ser





Pode um ser

               ser ou não ser

literal ou teatral

               ser, afinal, etc e tal

tal e qual

               mero animal

que sói, ser, entretanto,

               sentimental ?



sábado, 9 de julho de 2022



                    

               não há milagre maior

               do que acordar 

               para um novo dia






Nada mais inútil que o hímen.

No silêncio cabem muitos silêncios.

Nada mais difícil do que a virtude mental.

É trilhando abismos que se perde o medo da queda.

À promoção do prazer é o bem ao qual nos consagramos. 

Ou seria o inverso ?

A essência de uma mulher não é o que ela mostra, mas

o que esconde.

Cultivemos a afetividade, para aceitarmos as incoerências.

Anjo negro de jaspe, céu incrustado de azul turquesa,

corpos incandescentes em rotas de colizão. 

Complexidades involuntárias repletas de plenitude.

Punhos fechados medram resistências ferozes.

Acordes incoerentes põe nossa fé à prova.

Peles e escamas são as verdadeiras armaduras. 

Egrégias etimologias talham o inconcluso alfabeto do entendimento.

Isto não é poesia, e sim um canto que transborda de ser apto.

Diz o bufão que odeia imposturas, affff...

Felizes os que se deleitam em sacrificar a premência. 

Nenhum anseio transmuta verdes em flores brancas.

Fascinados pelas coisas fúteis, com entradas mas sem saídas.

Persuadidos pela seletividade elástica. 

Monogâmicos de gostos eletivos.

A parva humanidade, profanadora de covas medievais.

O que há por detrás da transcendência ? 

Anacoretas não moram em palácios. 

Sede fiel a si mesmo, "fazei todas as coisas sem murmuração e contendas".

A palavra reconfortante descansa tranquila como 

um lagarto no sombreado. 

A inocência da virtude é a moldura da solicitude.

Pássaros esquadrinham os céus,

tartarugas singram os mares,

abetos se erguem em procissão : tudo em perfeita harmonia.

Já o amor cega.

O juízo impessoal não faz distinção de benefícios.

A impostura é um cavalo de Tróia.

O sentimento mais profundo se mostra no silêncio.

O infortúnio encoraja outras formas de ser.

Não há desonra no ato de capitular. Desonra é desistir

sem lutar.

Não há milagre maior do que acordar para um novo dia.



















 



 

                 a diferença





Cena urbana corriqueira que flagrei 

outro dia : uma ninhada de gatinhos 

abandonados numa caixa de sapatos. 

Menos mal que sempre há alguma alma 

caridosa para acolher os bichanos, como foi o caso,

folgo em dizer. 

Menos sorte teve uma prole de ratos 

que minha mãe descobriu 

no fundo de um armário velho, na minha longínqua 

infância em Cachoeira do Sul, incinerados, 

ainda vivos, no quintal.

O guincho agonizante dos bichinhos e o cheiro 

de carne queimada nunca mais me abandonaram. 

Pois assim é a vida, em que nascer gato ou rato 

faz toda diferença.







 





terça-feira, 5 de julho de 2022



                      esquecido da vida,

                me inventei de ser feliz





Pregustar a manhã, o leve e macio toque do sol.

Que faz arrebol, desova passarinhos,

brinca com o vento.

Ah, o florescer do dia, regado por restos de orvalho,

pétalas noturnas, 

a pensar as cicatrizes de batalhas perdidas.

Esquecido da vida, me inventei de ser feliz, 

ainda que por instantes.

Bom seria ser o musgo dessas pedras,

"comunicando-se apenas por infusão, por aderências,

por incrustrações", como no poeminha pescado

nas pré-coisas de Manuel de Barros.

 

 


 


                     o beijo de Judas





O defenestrar-se repentino,  

em inexorável desdouro.

O vazio inapelável.

Desaparecer no rebojo da alma.


O fim guarda todos os mistérios.

Tudo o que foi e o que podia ter sido.

Guarda as coisas esquecidas, as noites insones,

as horas de alegrias e angústias.

Guarda os caminhos ignorados, o começo do fim.

Ferido de amor e de morte.


O fim chega assim, grave, pacífico, duro.

Chega para lembrar que a gente não é nada.

Que tudo se desfaz.

Às vezes da maneira mais sórdida.

Ao esquecimento o fim remete.

Tangido e evadido.

Vadio e fodido.

Sob mil coisas impressentidas desfigurado.

Como um rio que se banha em seu lodo.


Chegar ao fim sem nada poder fazer, sem ter o que dizer,

sem direito a nada, e, súbito,

compreender,

que o seu tempo havia acabado.

Que outras razões não havia,

senão pura e simplesmente,

o amor acabado.

De modo a subtrair daquela vida 

a essência que a mantinha. 

Um ausentar pior que a morte, urdidura de cansaço

e traição. 

O fim é o beijo de Judas. 











 

domingo, 3 de julho de 2022




                      ALMA AVENTUREIRA






Com amargura se perdem os prazeres das coisas terrestres.

É triste já não acalentar os antigos desejos e sonhos.

Desaprendidos os costumes que mal foram aprendidos.

É nesse morrer aos poucos que tudo se perde no vazio. 

A vida abandonada como um brinquedo quebrado.


A correnteza eterna leva tudo de roldão.

A qualquer tempo, em qualquer idade, retira-se de nós

o que nos pertence.

A condição de não-ser antecede toda despedida.

Amar o que não existiu, em um longo aprender,

eis o prêmio.

Engravidar a terra, fecundar as dores, eis o legado. 

Sem diásporas nem louvores, as cegueiras 

e ausências habituar-se.

Para que a alma aventureira nunca se perca,

como um marinheiro que sempre regressa.






sexta-feira, 1 de julho de 2022

                   vivendo pela metade





De infâmias, egoísmos e traições somos íntimos.

Caminhos cruzados remontam à Cristos crucificados.

À luz do provisório entendimento, 

entre a constância e a tangência do Divino 

pensamos maturar o futuro.

Sem ter discernimento para tal. 

Vivendo pela metade, amando mal, traindo princípios, 

laços afetivos.

Sob os olhares de deuses implacáveis. 












 

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