domingo, 7 de agosto de 2022


                                   terra abençoada




                    


Domingo frio e chuvoso, pouca gente na rua,

saio para caminhar, como de hábito.

A orla santista é bonita

mesmo com o tempo carrancudo.

Santos, terra abençoada !

Onde fixei morada há quase meio século.

Onde vi crescer meus filhos,

construí minha história,

fiz incontáveis amigos, alguns poucos 

desafetos,

que foram os que mais me ensinaram.


Por mais feliz que eu tenha sido 

em minha infância gaúcha,

foi aqui que me fiz homem.

Onde, a exemplo do meu saudoso pai,

deixo um nome do qual meus filhos 

podem se orgulhar.

Obrigado Santos, pelos dias de ouro e 

de chumbo,

por tantos domingos de sol e de chuva,

os quais ainda hoje, perto do fim, celebro 

por poder desfrutar.





                       a parábola





Reza a parábola que um homem foi deixado pela mulher.

Um homem bom e justo, mas que, segundo ela, deixava a desejar

em outros quesitos.

O tempo passou e o homem descobriu que na verdade, 

ela o havia trocado por outro bem antes, e para justificar-se, 

passou a difama-lo inclusive perante o próprio filho.

Quis o destino, porém, que não tardasse para que ela ficasse

seriamente doente, e coube a ele acolher e cuida-la 

em seus últimos dias.

O homem ainda reza para poder perdoa-la.

 

 

quinta-feira, 4 de agosto de 2022



                      forte e frágil





Desejaria ser pacífico, amável, sem mistificações.

Ser presciente e maduro.

Prestimoso como a terra podre e fecundada.

Desejaria ser íntegro, digno, perdurável na arte de amar

e ser amado.

Ser aquele que ainda se importa e não se corrompe.

Ser o galho partido que se refaz no caule.

Ter olhos e ouvidos capazes de ver e ouvir.

Ser a poça que reflete a lua, o brejo dissoluto, o barco

que regressa cheio de peixes.

Desejaria ser capaz de olhar para a vida como saído 

de um coma.

Ser capaz de sentir alegria e saudades por coisas que 

já não importam. Coisas que já foram tudo.

Queria ser capaz de me limpar das infâmias, dos males que

causei, e ainda causo.

Queria deixar de ser estúpido, ignorante, presunçoso. 

Estar disponível para ouvir. Ter a humildade de aprender, 

pedir desculpas, voltar atrás.

Quisera me reconciliar comigo mesmo, antes que seja tarde.

Quisera aprender a amar direito, antes tarde do que nunca.

Descobrir que não me falta nada, me sentir de bem com a vida.

E seguir em frente sem olhar para trás. 

Forte e frágil como uma criança.

















                                O TRATO





Que nunca nos falte razões para viver. 

Ainda que rarefeitas.  


Que nunca nos falte alguém ao lado. 

Mesmo não sendo quem desejaria.


Que nunca nos falte saúde, fé.

O resto a gente tira de letra.


Que nunca nos falte lucidez, empatia.

Para que a JUSTA LEI MÁXIMA DA NATUREZA

cumpra a sua parte.




quarta-feira, 3 de agosto de 2022



                      

                   OS ARRIMOS DA CRIAÇÃO






O diabo é que em alguém a gente tem que confiar.

Imprecações não são bem-vindas. Mas há exceções. 

O fio da meada é o fio de Ariadne.

Se as coisas não forem complicadas, que graça têm ?

Como já dizia meu pai, ninguém perde por ser cauteloso.

Em briga de cão e gato, quem ganha é o rato.

Meus melhores versos Rimbaud já escreveu.

Nada do que eu supunha aconteceu.

Não fomos feitos para amar o próximo incondicionalmente.

Passeei invisível pelo shopping. 

Habituar-se à lâmina, para não sentir o corte.

Habituar-se à divergência, para tolerar a incompreensão.

A virtude é uma causa perdida.

Depois da curtição, vem a ressaca sinestésica.

Lua nua em água lenta articula náiades concupiscentes.

Vontades infelizes vão além dos enganos. Continuam sem

medir a iniciativa e as consequências.

Benditas sejam as criaturas pacíficas, inermes, que não fazem

mal a ninguém, 

crustáceos, moluscos, galináceos, toda a família

dos bovídeos, pássaros, caracóis, grilos, sapos, borboletas, 

besouros...

Os arrimos da Criação. 



 





 







segunda-feira, 1 de agosto de 2022



                 a dívida





Lembro da minha avó na varada, sentada na cadeira

de balanço, tricotando e tagarelando sem parar 

no alemão de colonia, que foi meu primeiro idioma.


Lembro da primeira vez que vi o mar, em Matinhos, 

litoral do Paraná, e do susto que levei ao confundir 

golfinhos com tubarões. 

Vida sem ternura e loucuras não é vida. 


Amanhece limpo o dia lavado pela chuva.

Como deve ter sido quando Ulisses voltou para sua 

Penélope intocada.  

Santa Penélope ! Padroeira (madroeira ?) das mulheres fiéis.


Perorações gentis intercedem por nós.

Não é preciso ser Hércules para carregar o peso do mundo.

Espiga de milho ou girassol ? O sol que resolva.


A faca como parábola de vida, como nos tempos das ciladas frias 

e cálidas.

Fogueiras lúdicas, vulvas fulvas em especulações fálicas.

Onde a verdade de cada um morre.

Remorsos letais roem os restos de minhas tímidas alegrias. 


Na desagregação dos sentimentos, a nausea da podridão

do mundo.  

Uma ponte, uma rosa, cristais intocados, laranjais quiméricos : 

aqui jaz a fábula perfeita. O cansaço acende os archotes 

dos vieses inexplorados. 

Um lamento sombrio apaga a noite.


Feridas que se curam com o pranto rompem os mistérios. 

A noite perpétua, a alma balsâmica, o coração ferido e fatigado.

No fundo, não há nada pelo qual valha a pena chorar.


Buscando a dureza do meu destino, já nada tenho à esperar.

À sombra de meus desígnios, busco tão somente quitar 

minha dívida. 

Por ter sido mais feliz do que mereço. 






 








 






 





                         o descanso do guerreiro




Segunda-feira talvez eu faça, ainda não sei.

Melhor seria na terça.

Se bem que quarta é o ideal.

No máximo quinta...

De sexta não passa.

Porque sábado e domingo é sagrado,

descanso do guerreiro.

Ninguém é de ferro, né ?





 

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