segunda-feira, 1 de agosto de 2022



                 a dívida





Lembro da minha avó na varada, sentada na cadeira

de balanço, tricotando e tagarelando sem parar 

no alemão de colonia, que foi meu primeiro idioma.


Lembro da primeira vez que vi o mar, em Matinhos, 

litoral do Paraná, e do susto que levei ao confundir 

golfinhos com tubarões. 

Vida sem ternura e loucuras não é vida. 


Amanhece limpo o dia lavado pela chuva.

Como deve ter sido quando Ulisses voltou para sua 

Penélope intocada.  

Santa Penélope ! Padroeira (madroeira ?) das mulheres fiéis.


Perorações gentis intercedem por nós.

Não é preciso ser Hércules para carregar o peso do mundo.

Espiga de milho ou girassol ? O sol que resolva.


A faca como parábola de vida, como nos tempos das ciladas frias 

e cálidas.

Fogueiras lúdicas, vulvas fulvas em especulações fálicas.

Onde a verdade de cada um morre.

Remorsos letais roem os restos de minhas tímidas alegrias. 


Na desagregação dos sentimentos, a nausea da podridão

do mundo.  

Uma ponte, uma rosa, cristais intocados, laranjais quiméricos : 

aqui jaz a fábula perfeita. O cansaço acende os archotes 

dos vieses inexplorados. 

Um lamento sombrio apaga a noite.


Feridas que se curam com o pranto rompem os mistérios. 

A noite perpétua, a alma balsâmica, o coração ferido e fatigado.

No fundo, não há nada pelo qual valha a pena chorar.


Buscando a dureza do meu destino, já nada tenho à esperar.

À sombra de meus desígnios, busco tão somente quitar 

minha dívida. 

Por ter sido mais feliz do que mereço. 






 








 






 

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