segunda-feira, 3 de outubro de 2022




                     o joio e o trigo





Há um lado sombrio no amor.

Um lugar onde o sol não alcança

e as flores não medram.

Em que o medo e a insegurança criam raízes.

Na terra fecunda e generosa, a erva daninha

do ciúme faz estragos consideráveis.

O coração arbitrário não diferencia o joio do trigo.

Só se dá conta do amargor do pão

quando já é tarde.






 

domingo, 2 de outubro de 2022



                                causa perdida




 

O mundo é uma causa perdida.

Carece de ser reinventado.

Sem usura, sem impostos, sem mentiras.


A vida já parte de premissas erradas.

Crua e dura, a desigualdade vem de berço.

A busca pelo conhecimento é infinita e sem esperança.


O coração devotado, clama por ser enganado.

O amor ignora as trapaças.

A insondável trama conjura os pecados.


Paixões, ódios, mentiras, desenganos, são a sina

da humanidade. 

Toda sorte, adversa ou favorável, é obra do acaso.

O melhor da vida se resume a breves encantos.


 

sábado, 1 de outubro de 2022



                   sempre o mesmo périplo




Vigilantes, olhos famintos nos espreitam.

Loucos, ladrões, pederastas, saindo de prédios,

de bueiros, 

circulando pelas ruas em bandos,

logo, multidões.

Ninguém mais sabe quem é quem.

No mundo dividido entre chefes e cativos,

ricos e pobres, 

os infatigáveis conflitos semeiam eternas

discórdias.

Viver é apenas um hábito de metamorfoses e desditas.

Ninguém é inocente até que se prove o contrário.

Tudo remonta à miséria humana.

De superar-se ou quedar-se

nas vagas da verdade ou da infâmia.

Maior que tudo são as coisas sem nome.

Um punhado de ossos.

O ruído da chuva no telhado de zinco.

As ruínas da tarde.

A luz que refulge no mar.

O vento que encrespa à noite.

O pacto com o acaso. 

Violência e ternura no mesmo gesto.

Ideias que velam quimeras.

Coisas que o amor traz e leva.

Defuntas crenças.

Gente, povo, gado.

Sempre o mesmo périplo. 








 



 



                             duro é o saber





Duro é o teu saber.

Errante como um cometa que se perde

no cosmos.

E que o tempo nunca alcança.

Teus passos numerosos quedam quietos,

bruscamente.

As certezas, com os anos, te deixando.

Salva-te a veneranda velhice

em que a sabedoria, em fuga,

dialoga com os mortos.


 



               a volta por cima




 

No fim do caminho tinha uma ribanceira.

Que exigiu forças que eu não tinha.

Cai, levantei

sacudi a poeira

e dei a volta por cima.

 


                  a vil pecúnia



    

                  


Esse seu jeito de gostar,

que você diz ser amor, 

mas que soa mais como deboche,

confesso, já não sei como lidar.


Por mais que eu tente, 

não consigo conciliar o que sinto 

com esse seu jeito errante, 

sempre condicionado a algum presente, 

para demonstrar o que talvez nem sente.


Estou farto de você não me levar à sério, 

de me fazer de gato e sapato,

pelo fato de eu ser tão dependente 

dos carinhos que anseio feito um tolo adolescente.


Mas, no fundo, a culpa é toda minha. 

Por me negar a ver o que está na cara.

Que o amor que para mim é entrega e devoção, 

para você é simples moeda de troca, 

mera distração. 











 




 



 







 


                        não basta ser cego





Não basta ser cego.

A conversão é lenta e fiduciária.

Panacéias, exorcismos,

incunábulos multiplicam os corredores.

A lucidez é bicho esquivo. 

Nada mais inútil que tentar abrir portas 

trancadas a sete chaves. Lacradas pela ignorância.

Ir contra a correnteza, a conversão por persuasão ou necessidade,

executada à base de florilégios ou no fio da espada.

Rezo provérbios,

disperso e prolixo, 

malhando em ferro frio

e coisas do gênero. 

O gesto tosco,

tortura e desgosto,

ataraxia predadora em que me afundo.


Não basta ser cego.

É preciso não enxergar.

Consolo torpe é ser covarde 

travestido de benfeitor.

Verme por natureza, repugnante até a saciedade,

sujo e penalizado,

a conversão é lenta.

Não é fácil ser ignóbil.

O hábito desfaz o rito.

O membro viril e triste, subverte a lógica.

O desvario de quem só vê uma face da moeda.

Cifras de almas perdidas.

Olhares curiosos perpassam os truísmos.

Os outros que se danem.

O esquecido dura mais.

Quem perdurar, verá. 




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