sábado, 10 de setembro de 2016





                    O amor acaba (*)






O amor acaba numa tarde de inverno, num domingo de garoa, ou ensolarado, tanto faz o dia, pode ser em qualquer dia, a qualquer minuto, num impulso, nem lapso, num beijo. Pode acabar no café solitário da manhã, quando a solidão mais pesa; acaba um pouco a cada despedida silenciosa, no vazio do dia que se segue, na rotina medíocre que escraviza e congela os sentimentos. O amor acaba e não se sente, acontece e pronto, já era; sem conserto e sem direito a reparo, "o amor que me deste era vidro e se quebrou", não era assim que se cantava antigamente ? Ora, o amor acaba posto que finito, como todas as coisas, e se não durou é porque não era amor, finda a paixão, o desejo, ilusões, afinal, a gente se engana com tantas coisas.
Num segundo o amor acaba, sem volta ou prorrogação, insistir apenas piora as coisas; acaba nas escaramuças emanadas do tédio, na indiferença que faz até as datas importantes serem esquecidas ou perderem o valor; o que você finge que não liga, mas liga sim. O amor acaba quando a toda hora discutem a relação; ou quando não discutem mais, ambos de saco cheio e cheios de razão. O amor acaba quando o sexo já não é aquilo tudo, e passa a ser apenas uma obrigação cada vez mais esporádica. Acaba quando lembrar dos bons tempos deixa um gosto amargo, pela própria constatação de que os bons momentos são cada vez mais raros. Acaba nas noites insones em que os corpos já não se buscam, e preocupações comezinhas te consomem. Acaba quando a convivência torna os subterfúgios um caminho inevitável e tudo vira um fingimento, até não se distinguir mais o falso do verdadeiro.
O amor acaba por falta de manutenção. Acaba por desleixo, acomodação, e por fim, cansaço. Por esperar demais e se doar de menos. Acaba quando se começa a sentir falta de coisas que nunca havia sentido falta. Lembrar  da vida pregressa, que podia (devia ?) ter seguido outro caminho. Curtido um pouco mais. Pecado mais. O amor acaba assim, melancolicamente. Quando se começa a viver de pequenas mentiras, de cansaço, esperar por mudanças que nunca ocorrem. O amor acaba quando se precisa de confidentes, algum ombro amigo para desabafar, meter o pau naquilo tudo que incomoda. Coisas que soam deprimentes, quase um pretexto para o previsível ato final de toda relação que morre por inanição. A traição. 



* Tributo aos mestres Vinicius de Moraes e Paulo Mendes Campos

 



  

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