quarta-feira, 26 de abril de 2017


RIO JACUÍ, PESCARIAS INESQUECÍVEIS


                                                      PESCARIA


Adorava pescar com meu pai no rio Jacuí, num trecho entre Agudo e Dona Francisca, no interiorzão gaúcho. Ele talvez nem tanto, dizia que de tão tagarela, eu espantava os peixes... Mas troça mesmo ele fazia quando minha linha de pesca embaraçava, fazendo uma maçaroca que mais parecia uma rede. Coisa de principiante, por mais cuidado que eu tomasse, era só acumular um pouco de água no fundo da canoa e me via a desperdiçar um tempo precioso para desfazer o emaranhado que sempre se formava.
O que certa vez levou meu tio Gunter, gozador emérito, a comentar em alemão, idioma que toda família falava, inclusive eu : leute, wollen sie fischernetz ? - "gente, ele está querendo pescar de rede...", ou algo parecido, seguido de uma gostosa gargalhada que ecoou por todo rio. 
Mas nada que me chateasse, mesmo em relação a maldita linha que vivia embaraçando, e que em última caso, na surdina, me levava a apelar para o recurso extremo que o pescador veterano mais abomina : passar a faca na parte embaraçada. O que equivalia a comprometer todo o rolo, devido aos nós que tendiam a romper no caso de algum peixe maior morder a isca. Sem falar que os caroços das emendas costumavam resultar em maçarocas ainda piores . Daí que, como dá para perceber, nunca cheguei a ser um pescador de mão cheia, como meu velho, que tinha a chamada manha e uma técnica que me fascinava.


Sabia só de olhar o fluxo das águas, por exemplo, o lugar exato para poitear. "Pode largar (a poita) aqui, mas devagar para não assustar os peixes", dizia ele, na calma de sempre, cedendo a minha insistência, mesmo rapazola, para lançar a tal poita, que vinha a ser uma pedra enorme, de uns dez quilos pelo menos. Com a canoa devidamente ancorada e estabilizada, era só uma questão de tempo para ele encher os viveiros de pintados, jundiás, e esporádicas piavas e dourados, já então troféus cada vez mais raros. 

Atento à tudo, eu acompanhava, embevecido, sua técnica infalível. A minhoca ainda viva, espetada no anzol de modo a não aparecer nadinha do metal, seguindo do lançamento perfeito, como se fosse uma boleadeira, a 20 ou 30 metros de distância. Movimentos que pareciam simples e descomplicados, mas que não obstante meu esforço para imitá-lo, raramente conseguia. Ou a bosta da linha embaraçava, ou o arremesso não ia além de alguns metros, por falta de força e traquejo. 
Vexame ainda maior era quando, inadvertidamente, pisava na linha, e o anzol, com o sobrepeso da chumbada, ricocheteava a ponto de quase nos atingir. 
Trapalhadas que meu pai não achava nada engraçado, mas que não chegavam a ser motivo de irritação. O máximo que fazia era comentar que da próxima vez eu deveria pescar de caniço, como os meninos de minha idade. 
Pitos que nem de leve me aborreciam ou desanimavam, de tanto que adorava aquelas pescarias das férias de verão. O mais importante para mim era estar na companhia dele, dos tios Gunter e Orlando, e desfrutar de tudo aquilo que normalmente era exclusividade dos adultos. Pescar num rio majestoso como o Jacuí, ouvir e participar da prosa, observá-los em ação, e aos poucos também fisgar os meus peixinhos e até alguns peixões, safo e persistente como eu era. 

Parece mentira mais de meio século tenha transcorrido desde então. E mais incrível ainda, que essas lembrança continuem tão vívidas e fortes em algum lugar de minha mente. Nada épico ou minimamente comparável a aventuras famosas do gênero, como o Velho e o Mar,  de Ernest Hemigway, ou Moby Dick, do também do norte-americano, Herman Melville, ainda que a leitura dessas obras-primas não me sensibilizem tanto quanto as lembranças de pescarias bem mais modestas como aquelas.
Pelo simples e óbvio fato de serem parte de minha história de vida, talvez a mais gratificante, o convívio com entes queridos que já se foram, mas não no meu coração.



         


   

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