quarta-feira, 16 de agosto de 2017



                    
                      COM O DIABO NO CORPO 




Vendo os rumos cabalísticos que marcam indelevelmente a carreira de Neymar, inevitável não pensar sobre o que o torna tão diferenciado e especial. Se é fruto da fórmula tradicional - a somatória de trabalho, dedicação, biotipo e uma boa dose de genialidade, ou de algum tipo de predestinação ou algo ainda mais esotérico. Aliás, pela desenvoltura que mostrou logo de cara no clube francês, como se estivesse jogando uma pelada qualquer, a hipótese de tratar-se de um extraterrestre também não pode ser descartada.   

A mim, particularmente, o que mais assombra não é a fama, a idolatria e a veneração quase sacrílega que desperta. Tampouco as cifras estratosféricas que envolveram sua transferência do Barcelona para o PSG, de resto consequências naturais dessa fulgurante trajetória e sua unção como estrela de primeira grandeza no universo futebolístico e das celebridades. 
  
O que mais me chama a atenção e intriga, por fugir à regra e ao lugar comum, é exatamente a fluidez e a naturalidade com que as coisas que vão acontecendo e sedimento sua edílica carreira. É o corpo e a cabeça aparentemente blindados para superar os desafios a que se propõe e se põe na linha de frente. Como se ele ou seu controvertido e onipresente pai, tutor e mentor, tivessem algum tipo de pacto semelhante ao do doutor Fausto, da soberba obra de Goethe, que vendeu a alma ao diabo para obter tudo o que sonhava em vida. Sabe como é, no creo en brujas, pero que las hay, las hay...

De certa forma, Neymar tinha tudo para quebrar a cara precocemente, como tantas e tantas promessas engolfadas pelas armadilhas da ascensão súbita, dinheiro à rodo, mordomias, baladas, etc,etc. Afinal, de família paupérrima, bastou despontar nas categorias de base do Santos para cair nas garras dos abutres que proliferam nos bastidores do futebol, oportunistas transvestidos de empresários que arrancam procurações extorsivas em troca de merrecas à título de ajuda de custo. 

Estratégia invariavelmente infalível, e no caso do garoto Neymar, com o agravante de a própria diretoria santista, na figura de seu presidente e mecenas Marcelo Teixeira, ter praticamente doado 40% de seus direitos federativos ao manjado DIS, grupo que se esmerou em amealhar verdadeiras fortunas às custas do miserê que campeia no futebol brasileiro, agravado pela infame Lei Pelé. Das duas, uma : ou Teixeira obtusamente não botava fé na joia que despontava, ou cometeu um crime de lesa-clube imperdoável e pra lá de suspeito.

O fato é que não demorou para que um cenário preocupante se desenhasse para a diretoria que o sucedeu : a perspectiva de o clube ficar na mão em sua inevitável saída. Ainda mais com a entrada em cena de um personagem chave que não só se contrapôs, como subverteu a ordem vigente, em que o clube e agentes tem a palavra final. Um interlocutor e representante ainda mais esperto e - como logo se veria - incomparavelmente mais ladino que a tradicional cafetinagem do ramo  : Neymar pai. 
Sim, pois tão rápida quanto a ascensão do filho, lançado no time principal aos 16 anos, foi o seu impressionante aprendizado dos macetes e jogadas inerentes ao promíscuo mundo futebolístico. 
Cujo cartão de visitas foi a farsesca e fraudulenta negociação que levou Neymar ao Barcelona, acertada às vésperas da decisão do título mundial em Tóquio, em que o time catalão enfiou 4 a 0 no Peixe. Com 40 milhões de euros no banco adiantados na transação, não estranha que Neymar passeasse em campo, obviamente sugestionado e deslumbrado com seus novos e futuros companheiros. Mancha que jamais será perdoada e apagada em seu currículo no clube que lhe abriu as portas para a fama e fortuna.

Ficava claro então o quanto se havia subestimado a astúcia do pai que fingia ser bonzinho e correto com o Santos e a DIS, ao mesmo tempo em que articulava uma controvertida rasteira em ambos, que ainda hoje é discutido na justiça. Tanto aqui como na Espanha, onde o Barça já foi punido com multa milionária e pena de prisão para o então presidente, o notório Sandro Rosell, ex-representante da Nike e comparsa do ex-presidente da CBF, Ricardo Teixeira, nas mutretas fartamente divulgadas pela mídia. Pendenga que por aqui, ainda promete se alongar em meio aos meandros de nossa compassiva justiça.

De qualquer forma, nada que impedisse a carreira do craque de seguir de vento em popa. E ponha vento nisso, graças a sua imediata adaptação no estelar elenco blue-grana e a consagração do trio MSN como artífice da conquista da Champions em 2015. Prestígio que não foi arranhado com a campanha apagada na temporada seguinte, em que o grande rival Real Madrid e a estrela de Cristiano Ronaldo brilharam intensamente, ainda que o grande feito das últimas décadas coubesse a Neymar e companhia, com a incrível goleada de 6 a 1 sobre o PSG.

Na qual teve atuação tão decisiva que fez com que os xeques catarianos, donos do humilhado clube francês, desfechassem uma verdadeira operação de guerra para tirá-lo do Barça, com contatos em várias frentes no sentido de quebrar resistências que pareciam intransponíveis. Aparentemente, mais por parte do clube catalão, que esnobou até o último momento um checão de 220 milhões de euros que quase teve que ser depositado em juízo, já que Neymar e seu estafe, preferiam esconder que já vinham negociavam com emissários franceses há semanas. 
Daí, por sinal, o desgaste que ele acabou sofrendo junto ao clube e sua torcida, inconformados pelo que ganhou contornos de uma verdadeira traição.


Transação que acabou se consumando, após semanas de marchas e contramarchas, envolvendo cifras que não só inflacionaram absurdamente o mercado futebolístico, como colocaram na berlinda as normas do fair play financeiro da FIFA, que estabelece que um clube não pode comprometer mais do que 1/3 de seu faturamento bruto em contratações,. Normas nas quais o Barcelona confiava para mante-lo, ao prorrogar seu contrato até 2021 no final do ano passado, com uma multa de 220 milhões de euros que os catalães acreditavam ser impagável para qualquer clube.
Qualquer clube menos para o biliardário fundo controlador do PSG, para quem a montanha de dinheiro paga por Neymar não tardará a se reverter em lucro, conforme projeções de retorno financeiro baseadas na própria apoteótica recepção com que foi recebido em Paris, com direito a Torre Eiffel enfeitada de verde e amarelo e tudo mais. Recepção e expectativa que longe de intimidar, inibir ou assustar, ele tratou de justificar plenamente logo na estréia, ao assumir sem qualquer embaraço o protagonismo num time recheado de nomes famosos, que ao menos a princípio parece estar pronto a gravitar em torno do craque brasileiro. Até quando, só Deus sabe. Ou até onde o fantasioso acordo com o chifrudo permitir.

Elocubrações à parte, louve-se, isto sim, a extensa lista de atributos que alicerçaram e alicerçam a extraordinária carreira do craque nascido e criado num dos bairros mais carentes de Praia Grande. Atributos como força de vontade, disciplina e, sobretudo, obediência cega e incondicional às orientações do pai, que acumula as funções de administrador sagaz e conselheiro implacável com igual eficiência. 
Daí a explicação racional para a evolução gradual e consistente que vem mostrando ao longo da carreira. E que se mantém incólume a par do seu sabido e assumido gosto por noitadas e festas em que costuma ser convidado de honra e o troféu mais cobiçado pela mulherada. Curtições em que, ao contrário da grande maioria, bebedeiras e drogas são veementemente proibidas, tanto por convicção como por imposição do severo pai.

Obediência que ele matreiramente diz ter contrariado apenas duas vezes - a última delas, ao optar pela transferência para o PSG, seduzido por um nababesco projeto que tem na conquista da Champions Liegue e no título de melhor do mundo, assumidas obsessões para ambos.  
O que no fim  das contas não é o primeiro nem o último grande desafio que tem pela frente, em sua trajetória pontilhada de conquistas e raras decepções. Nada que a essa altura pareça demasiado para o magrelo abusado e cheio de personalidade, que desde o início de carreira entremeava seu enorme talento nos gramados com polêmicas e factoides fartamente explorados na mídia e redes sociais.    

E que se firmou como uma autêntica máquina de jogar e fazer dinheiro, que ao contrário de qualquer outro jogador, raramente se machuca, não sente as pernas fraquejarem, não pipoca, nem consta que algum dia tenha ficado gripado, com diarreia, febre, ou mesmo sofrido de uma reles urticária. Ou seja, uma fortaleza em todos os sentidos, que desafia o entendimento e a lógica natural do jogo de bola e da vida.  

E como se isso não bastasse,  fonte inesgotável de recursos oriundos da exploração de seu nome e imagem, nos quais figura como um fenômeno midiático com milhões de seguidores em veículos como o Twitter e Instagram, onde cada postagem de fotos com marcas famosas representam mais alguns milhões a fortuna que o coloca entre os atletas mais bem pagos do planeta.

Enfim, um monstro que diferentemente da conotação pejorativa que lhe foi imputada pelo técnico Renê Simões (onde andará ?) logo no início de carreira, ao vê-lo se rebelar acintosamente contra uma ordem de seu treinador no Santos, Dorival Júnior, num jogo contra o Atlético-GO na Vila, parece se alimentar de conquistas e se agigantar nos desafios. 
Se na condição de queridinho dos deuses ou mancomunado com o diabo, não faz diferença no mundo laico do futebol. E muito menos na frívola era do espetáculo.  








  

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