quinta-feira, 8 de novembro de 2018



Da série, minha vida virou uma piada

Tem um catador de papelão, um desses tantos carrinheiros que faz dessa insalubre atividade um meio de vida, que há mais de 10 anos reside debaixo de uma das marquises de minha firma, aqui na Ponta da Praia. Como a loja é de esquina, aproveitou uma das extremidades onde quase não passa ninguém, e instalou um velho sofá, onde passa as noites, coberto por uma espécie de lona de plástico. A prefeitura já tentou removê-lo várias vezes, chegaram a levar um outro sofá e apetrechos que ali guardava, mas ele bravamente resiste, dizendo gostar dali e que ali pretende ficar, enquanto eu permitir.
Ora, por mim tudo bem, ele jamais me incomodou, não é de fazer sujeira, e não deixa de ser uma espécie de vigia atento a tudo que rola num pedaço sabidamente da pesada. Sem falar no inacreditável bom astral do sujeito, que tem sempre algum comentário ou algo engraçado na ponta da língua. 
Como outro dia, quando se aproximou tão logo desci do carro, e logo vi que queria puxar conversa, ou talvez pedir um trocado, como às vezes faz. Mas não. 
"Tudo bem com o senhor, patrão ? 
"Está, sim, Messias (o nome dele), e com você ? "
"Tudo sob controle, como sempre. O senhor sabe que comigo não tem tempo ruim", aduziu, emendando :
"Desculpe falar, mas tenho notado de uns tempos pra cá que o senhor está diferente. A cara amarrada, parece triste... Desculpe me meter, posso estar falando bobagem, mas não deixa a peteca cair, não. O senhor é do bem, logo as coisas melhoram..."
Agradeci, meio sem jeito, e não pude deixar de me admirar diante do exemplo de galhardia e sabedoria inata daquele zé ninguém, provavelmente mais feliz do que eu, com minha vidinha de burguês, mas cheio de merda na cabeça. 


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