sábado, 23 de fevereiro de 2019


             

                  prisioneiros






Não cantarei hoje as dores passadas.
Arranquei-as da alma pela raiz.
Despojado de expectativas e julgamentos, 
é como se eu sempre soubesse
da oclusão das graças alcançadas. 
Da renúncia de quando se está descrente de tudo,
emerge a nova realidade.
Imerso no desumano desterro, 
para além do amor tangenciado,
no espinho e na penitência reencontrado.

Do princípio de tudo a alma jamais se aparta. 
Das origens, da família, barro do qual fomos feitos.
Do tempo que neutro fluiu, a noção de ter tido 
uma vida boa.
Quando resumida a ser filho.

Filhos... Anjos roubados do céu, pelos quais, 
querendo ou não, seremos sempre responsáveis.
Pecado maior não há que negligenciá-los.
Sempre à purgar a pena de trazê-los ao mundo. 
Fadados a seguir o mesmo pecaminoso caminho.   
Transmutando-se, investindo contra a sombra,
desaprendido de ser o que era.

Feridos no amor e no labor,  um a um os sonhos 
saem de nós.
Na afeição cega e na desordem dos sentimentos, 
de novo prisioneiros.
Sonhar, ai de mim, a restituição do amor perdido
num mundo novo em que a manhã tarda.

A mesa está posta. Os convivas ausentes. 
Todos se foram.
O filho que não fiz, que rosto teria ?
O filho que não conheço, que rosto tem ?
Ah, quanta culpa à expiar, quanto remorso 
a envenenar a vida.
O dia perdoa, a noite condena.
Fingir que está tudo bem, eis a realidade possível.
Desabando sem gritar, arrastando os despojos
para fora do tempo.
Descobrir-se, enfim, em meio 
a vacuidade de tudo.




   

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