domingo, 26 de janeiro de 2020



                                jogar areia e seguir em frente






Houve um tempo em que ele se sentia privilegiado,
como se tivesse ganhado na loteria. 
Na loteria do amor.
Tinha uma bela e jovem mulher,
que demonstrava de todas as formas que o amava.
Era alegre, carinhosa, espirituosa,
não havia o que ela não fizesse para agradá-lo.
Quando levantava cedinho o café já estava posto,
quando saia para o trabalho, ela fazia questão de dar um tchau
da varanda.
Havia dias em que recebia mensagens carinhosas
pelo serviço de radio-mensagens,
às vezes encontrava cartinhas de amor no bolso,
tinha, enfim, tudo o que um homem precisa
para ser feliz. 
E isso que nem tudo eram flores,
como em qualquer relacionamento, 
principalmente, devido ao ciúme dela em relação aos dois filhos 
de seu primeiro casamento.
Depois de um tempo, começou a trabalhar com ele,
e ao contrário do que se poderia supor,
a convivência praticamente 24 horas por dia
acabou estreitando ainda mais a relação.
Ao menos era o que parecia.
Até que ela engravidou.
Até que um menino saudável e risonho veio ao mundo.
E as coisas nunca mais foram as mesmas.
Para o bem e para o mal.
Pois junto com a felicidade incomparável do nascimento
de um filho, 
vieram as responsabilidades e consequências. 
À dano da relação.
Ela totalmente devotada ao filho. 
Ele, repentinamente escanteado, relegado a segundo plano.
Situação que culminou numa séria crise,
logo no primeiro aniversário da criança,
contornada, mas não debelada. Posto que ela
continuou se dedicando inteiramente
ao filho, 
o que fez com que se reaproximasse dos pais,
e com o tempo, construísse um mundo à parte.
Em que ele não fazia parte.
Anos se passaram dentro deste contexto, 
ela mal tomava conhecimento de sua rotina,
nunca mais pôs os pés no antigo local de trabalho, 
e ele, 
ainda mais isolado depois que parou de jogar bola,
foi se sentindo cada vez mais solitário, infeliz.
E pior ficou quando se afastou dos dois filhos, 
dois ou três anos dolorosos, que lhe custaram muitas
madrugadas insones.  
Tudo somado, não passou incólume
à chamada crise da meia idade, 
em que uma fatídica pulada de cerca quase pôs tudo à perder.
Traição que ela, para sua surpresa,
não só perdoou como empenhou-se para salvar o casamento. 
E o que ele chegou a achar que era o fim de tudo,
acabou lhe devolvendo a ilusão de que ainda era amado.
Só que não. 
Aos poucos viu que nada mudara, 
que a obrigação de mudar competia apenas à ele, 
cuja rotina insalubre continuava a mesma, 
ao passo que ela se mostrava cada vez mais distante e fria.
Mal sabia ele que era exatamente este 
o troco que ela estava orquestrando.
O epílogo de uma rica história que ele jamais 
imaginou que terminasse de forma tão deprimente. 
Com gosto de uma grande farsa.
Cujos detalhes sórdidos, 
ele diz que prefere fazer 
como fazem os gatos, com seus dejetos :
jogar areia e seguir em frente.

                              







  









  






















   

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