FÁBULAS
"E conhecereis a verdade,
e a verdade vos libertará." (João 8:32)
Resta saber qual verdade.
A de Deus ou a dos homens ?
Ora, da soma de todas as coisas, pouco ou quase nada vislumbramos.
O saber que perscruta o tempo e plasma
os sonhos, é de metal ou pergaminho.
Tudo que nos é levado a acreditar
não passam de fábulas,
conceitos e fundamentos que fogem
a nossos parcos conhecimentos.
Que o sol brilha exatamente do mesmo jeito
há quatro bilhões e meio de anos ?
Que Deus criou um universo nem começo nem fim ?
E o mais incrível : que se preocupa comigo ?
Com cada um de nós ?
Nunca saberemos qual a verdade,
quem fala a verdade.
Criamos os mitos e os ritos, e os destruímos.
A vil palavra se presta à tudo.
Ao próprio paradoxo de um formidável processo
civilizatório,
consagrado à mentira, as traições.
Da cicuta de Sócrates ao beijo de Judas em Cristo,
erigimos e renegamos nossa fé
antes mesmo de o galo cantar três vezes.
Em atos, pensamentos, ninguém foge à dubiedade
do livre-arbítrio,
que nos dá a terrível potestade
de escolher o mal.
A verdade morreu.
Aliás, nunca existiu.
Tudo se insere nas gongóricas mitologias,
como o fio que Ariadne
pôs nas mãos de Teseu,
para que não se perdesse no labirinto.
Porque tudo se perde.
Tudo é circunstancial.
Estamos sempre querendo livrar a cara,
enganar, ludibriar, tirar proveito.
Na vida envolta em metáforas, em que
sinas e reveses se misturam,
nada nos afeta mais do que a traição
daqueles que mais amamos.
Mas não obstante o horror do ciclo natural
das coisas,
a rosa em outra rosa se transforma.
Na dor, nos arrependimentos,
no olvido,
o passado é o barro com a qual o presente
moldamos.
Não há razão para que dos erros passados
continuemos escravos.
Desde que mudado,
não sendo mais o mesmo que errou.
À luz da pristina ciência, não passamos
de um amontoado de pó.
Coube-nos, por sorte, o dom do raciocínio.
E viver sob a liberalidade de uma doutrina de perdão
que se dispõe a anular o passado.
À invenção de fábulas que conjugam os enigmas
da catarse humana,
cujas palavras mentirosas e pactos rompidos
alimentam o ciclo interminável de desatinos
que nos condena à infâmia.
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