o que eu queria
Queria conhecer alguém que me mostrasse
as coisas boas que não consigo ver.
Queria ver o amanhecer com os olhos inocentes de antigamente.
Queria colher as flores da minha sepultura.
Queria conhecer a linguagem da luz, ser surpreendido
por um milagre. Um único e indiscutível milagre.
Queria não sentir falta do que me faz falta.
Queria redescobrir a tessitura das amizades sinceras.
Queria abraçar meu pai mais uma vez. Mesmo que em sonho.
Queria ter amado mais e melhor.
Queria ter sido melhor do que fui, ou sou, mas ainda
estou batalhando para isso.
Queria controlar o vaivém nocivo dos impulsos.
Queria ver meu país livre da corrupção e da tirania.
Queria poder corresponder as expectativas
de quem ainda gosta e acredita em mim.
Queria que meu coração arbitrário encontrasse pousada,
criasse juízo.
Queria não me arrepender de ter apostado todas minhas fichas
em coisas que acabaram não dando certo : o futebol,
o jornalismo, minha finada ex-amada.
Queria que o que escrevo tenha algum mérito, que permaneça
depois que eu me for.
Queria sentir o aroma feliz de uma torta de maçã, numa
tarde chuvosa.
Queria contemplar-me com os olhos de quem se perdoou.
Queria me penitenciar com os amigos dos quais me afastei,
sem qualquer razão plausível.
Queria não ser o síndico da minha massa falida (assim como
Paulo Mendes Campos).
Queria inventar um jeito de ser feliz, sem perder o senso
da realidade.
Queria pensar mais com a razão do que com o coração.
Queria perdoar, do fundo do coração, a traição que quase
me destruiu.
Queria que espalhassem minhas cinzas num campo de girassóis.
Queria não me arrepender de amar, de ter amado.
Queria não ser um estorvo, não ser motivo de pena ou chacota,
o pesadelo de todo velho.
Queria que a mentira e a impostura fossem banidas na Criação.
Queria acreditar em você, que diz que me ama.
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