terça-feira, 15 de janeiro de 2019




                              volteios





A vigília é permanente. Nada escapa ao escrutínio,  a bisbilhotice alheia. Ninguém está a salvo de nada. Indiferente a tudo - bom senso, escrúpulos, comedimento - a histeria consumista impera. Há sempre algum bostinha famoso dizendo o que se deve ou não deve comprar, consumir. Com a autoridade de qualquer prostituta que dá para qualquer um por dinheiro.
A enganação é a ordem do dia. Enganar, mentir, trapacear, 
o esporte mundial por excelência. O slogan do século sequer é original : me engana que eu gosto. O vigarista te engana. O amigo te engana. Os colegas, o chefe, a namorada, a mulher...

A mídia te faz de otário o tempo todo. O banco fica com teu dinheiro, repassa a peso de ouro, e de quebra te presta um serviço de merda, com suas agências cada vez mais cheias e funcionários de menos. "O que a gente pode fazer por você hoje", tem a coragem de indagar um deles, e eu digo sem titubear : por mim, ir a PQP e parar de explorar a gente.Nesta ordem mesmo.

Ia falar do governo mas deixa pra lá. Voto de confiança aos novos governantes. O derradeiro. Se esta turma não consertar o país, o último que apague a luz.

Vivemos tempos estranhos. Todo mundo se conhece e se desconhece. O que se é por dentro é um assombro. Melhor ninguém saber. Mas como resistir aos apelos da era digital ? De exposição explícita e despudorada. O mundo se desnuda na maior cara dura. A Inquisição faria a festa ! Cadê o anjo exterminador de Sodoma e Gomorra ? Deus desistiu de nós. Também pudera, depois da barbárie medieval, o horror das duas grandes guerras mundiais, o holocausto, como perdoar ? 
Quantos Cristos teriam que morrer para perdoar tanta atrocidade ? 
Quantos Cristos não morrem todos os dias, para salvar inocentes, cordeiros do mundo ? 

Só loucos para ver poesia nesse mundo louco. Lunáticos metidos a entender a alma humana, a decifrar a beleza, o significado oculto das coisas. Poetas eruditos, herméticos, presunçosos, magnificamente ilegíveis. Uns chatos.  
Por que calcinar, ao invés de queimar ?
Por que olvidar, e não simplesmente esquecer ?
Fado, fulva, sovegna, ajaezados versos, o real e o fantástico mesclados com os imperativos de "ser e parecer". 
Ah, a pena de existir e a papoula dos sonhos. 
Ah, malditos metidos a nos humilhar com sua esmagadora cultura e erudição pernóstica. Escrever com a Encyclopaedia Britannica no colo.Volteios pela História, castelos no ar, enredos mirabolantes, que loucos ... Os deuses do Olimpo sequer existiram. Heroísmo, estoicismo, grandeza, tudo ficção. Na vida real, o buraco é mais embaixo. Sempre foi. Não há deuses, crenças que nos salvem. Salvação do quê ? Do fogo dos infernos, se o inferno é aqui ? 





    



  

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019


                                              revelação   


     


Em cada um de nós há segredos
os quais a ninguém é dado conhecer,
que nem no delírio da paixão se revelam,
ainda que juras de amor eterno sejam proclamadas.

O tempo passa
e quando a aventura idílica se desfaz,
e diante de nossos olhos, cegos até então,
o preterido e o pressentido enfim se revelam
a gélida face do amor consumido dirá :
    "Sou eu, a tua antiga consciência.
Sou quem encontrou a porta escancarada
e, no beiral da janela,
na casa que de tantos foi,
a coloquei  
- e depois me afastei na ponta dos pés". (adapt.A.A.)

domingo, 13 de janeiro de 2019

                   

                   escapulário




Sei muito bem o que está em jogo.
Não é hora de arrependimentos vãos.
Meti-me em um grande buraco e dele hei de sair. 
Coragem não há de me faltar.
Este livro hei de escrever até a última página.
Sem direito a final feliz mas tudo bem.
Trago em mim lembranças abençoadas 
- é o que me basta.

De nossa última noite de amor, que não houve,
me olvidei.
Talvez eu já houvera morrido e não sabia.
Afinal, tu me inventaste,
e tu me destruíste.

Eu estava murcho por dentro e agora és tu 
que carece de salvação.
Que Deus ilumine teus passos
e o mistério desse desenlace se reverta em triunfo.
Que possas reencontrar a alegria perdida.
Com os resquícios desse amor imortal
que levaremos no peito, feito escapulário.
Amor que amassamos, moemos, trituramos,
até virar o pó que nos permitirá 
um dia
reescrever essa história.  
Que mereça ser lembrada.








que a dor de quem de seu amor 
hoje se despede,
em resignação e força se transforme...



sábado, 12 de janeiro de 2019








                                REENCONTRO






Lento, flui o Guaíba dos meus sonhos,
da infância longínqua que me sorri, zombeteira,
como se o tempo não houvera passado.

Breve miragem que logo se desfaz.
Seis décadas me chamam de volta para casa. 
Minha alma pétrea não conseguiu matar a memória.

Sou teu filho, no fundo continuo o mesmo.
A ameaça da morte próxima já não me assusta,
agora que aqui me reencontrei.

Ao meu lado, os olhos de meu filho brilham.
O abraço de meu irmão me conforta.
Ainda quero colher as rosas deste jardim único.
Rio Grande do Sul amado... 

















                              elos







Pense nos dias como elos da grande corrente da vida.
Elos de amor, lágrimas, risos e sofrimento.
Elos de ferro, de ouro, de vidro.
Que estilhaçam num piscar de olhos.
Pense naqueles dias especiais.
Elos que marcaram sua vida.
E como tudo teria sido sem eles.
Caminhos completamente diferentes.
Outra vida.

Ah, se arrependimento matasse...
Aquele encontro no shopping.
Aquele esbarrão na balada.
Olhares que se cruzam ao acaso.
Elos que se fundem irremediavelmente.
Lamentamos pelo que não deu certo.
Mas quem garante que outros elos teriam melhor sorte ?
Não há elos indissolúveis.
Não há vínculos que não deteriorem.
Tudo é uma questão de saber valorizar.
De elo em elo se faz a corrente.
Elos de compreensão, tolerância, renúncia...
O amor não acontece por acaso. 
Não escolhemos alguém para amar.
A vida escolhe.
Bobagem culpar o destino.
Cabe a nós fazer com que valha a pena.






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