quarta-feira, 30 de outubro de 2019





                  vida que segue


Não, moça,
não sinto raiva, frustração.
Muito menos, que tenha feito 
papel de otário.
Desde o princípio, sabia onde estava 
me metendo.
Com quem estava lidando.
Paguei o preço.
Valeu cada centavo.
E vida que segue.





 

domingo, 27 de outubro de 2019



                               a sabedoria das crianças

(para meu filho, Breno)


É preciso ser humano para aprender
a colher da mesma árvore, amor e desengano.
De rompantes e loucuras ser íntimo.
Posto que o caminho da sabedoria 
é o descaminho.
Aprender às avessas, de trás para frente.
Apanhando, perdendo, caindo e levantando. 
Pois o que está em jogo 
o é a verdade,
mas o indivisível nada
que corrói a existência.

Se já não estás na antiga morada,
se da antiga vida não resta mais do que 
laços desfeitos e despojos,
remova os cadáveres dos sonhos, irmão.
Persegue outra presa, animal.
Depõe a bagagem, abraça a imensa vida.
A delimitação prévia dos espaços, abdique.
Cada dia é um novo dia,
um renascimento.
Chega o momento de deixar de ser aprendiz,
espectador.

E nessa nova dimensão, 
na juventude ou na velhice,
dispense a palavra tosca.
Deixe, simplesmente,
que a sabedoria das crianças
resgate 
o que a vida suprimiu.







sábado, 26 de outubro de 2019


                                           

                                                  O ÚLTIMO GOLE







agora que a mão pesada do tempo
amassa e tritura minha vida pregressa,
e um mundo diferente se descortina,
quem sabe,
milagrosamente,
rompa-se a casca grossa com que me protegia,
e um par de asas, leves e coloridas,
enfim me apareçam.

passei a vida cuidando dos meus.
chegou a hora de pensar um pouco em mim.
com a vida no ocaso,
sem ninguém a meu lado,
se eu não o fizer, quem o fará ?

os frutos caíram da árvore,
as flores murcharam.
imperceptivelmente, o tempo
foi cinzelando de despedidas
a fugaz parceria com a felicidade.

rompidos os laços corrompidos,
junto os cacos do que fui um dia,
para seguir adiante sem lamentos nem dor.
sem mais dar ouvidos à maledicências e
censuras,
renunciando a toda sorte de ilusões,
sem lamentar o tempo perdido,
as coisas erradas,
os passos tortos,
as crenças fraudadas,

para apenas e tão somente,
sorver até o último gole 
o prazer de viver.



















sexta-feira, 25 de outubro de 2019











69...
bem-vindo seja !
que possa ser melhor.
que eu possa ser melhor.
que não seja o último.
mas se for, tudo bem também.
estou no lucro.
estou em paz. 



terça-feira, 22 de outubro de 2019

 
   

                                           BREVE E DEFINITIVO





Ser feliz é tudo o que se quer.
Mas não depende de nós.
Na vida povoada de latifúndios, iates, vielas,
sequer nos compreendemos.
Por preço vil vendemos a alma.
Sobre mesas, camas, covas, brilha o indiferente sol.
Entre sorrisos, a tristeza emerge na forma do amor
adulterado.
O que se salva é o que se perde.
Dentro do pranto, apelos obscuros se multiplicam.
A fuga do real abraça as coisas, sem possui-las.
Tudo é breve e definitivo.

À sombra do mundo errado, convém não esperar demais.
Cedo ou tarde, tudo se extravia.
Ser feliz ? Amar ? Miragens que
se dissolvem em dias ásperos, impuros silêncios.
Dia virá em que nada mais será lembrado.
E o esquecimento, ainda memória, 
em resto dos restos se transformará,
fazendo da vida vivida a antivida,
ainda menos que o pó,
nada que valha a pena recordar,
em corações 
que se estranham e se maltratam.
















                  quem reinventará o amor ?






um tempo em que o tempo 
parece não passar.
E há um tempo em que o tempo 
parece voar.

Um tempo em que
tudo parece possível.
E outro, 
na bacia das almas,
em que nada mais é crível.

Habitam dentro de nós 
sonhos sempre adiados.
Pouca coisa resiste
ao ingresso à vida
que não foi vivida,
a renúncia de toda procura.
Pois eterno é o sentimento que nos 
une e separa.
A tudo que não passa, 
posto que não houve.

Quando me perdi já estava perdido,
o que era para eu ter sido.
Antes mesmo de haver nascido,
envelheceu antes de romper o novo.
Em tudo que se perde sem ter ganho.
No amadurecer longínquo,
voltando pelos caminhos em busca de mim,
procuro quem não vejo, 
o que não existe mais.
Em sonatina exaltação, 
o despertar num mundo programado
em softwares, backups.

Quem comporá uma nova nona sinfonia,
antológicos boleros,
Yesterday, Hey Jude ?
Quem reinventará o amor ?












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