terça-feira, 20 de outubro de 2020



                     em nome do Pai



   


Senhor, 

sei que não sou digno 

de nada pedir.

Consciente da infinidade de desatinos

que tenho cometido.

Da minha pouca fé.

Mas, Senhor,

não peço nada para mim.

E não tenho a quem recorrer.

Não sei mais o que fazer.

Em não sendo suficiente minha boa vontade. 

O que tenho feito no plano material. 

Dentro de minhas parcas possibilidades.

Eis me, então,

ao lado dos fracos e desesperados,

que não tendo mais em que se agarrar,

recorre a ti, Senhor,

para que em nome deste amor que a tudo se

sobrepõe,

ampare aquela de quem sou tão devedor.

Pela gratidão que transcende o próprio amor.


Em nome do Pai,

Do filho,

e do Espírito Santo,

Amém.




 

segunda-feira, 19 de outubro de 2020

domingo, 18 de outubro de 2020


                      virgens em bordel




A verdade é que a gente não sabe nada 

das mulheres. 

Ao acreditar e fantasiar, não passamos 

de verdadeiros trouxas nas mãos (e aos pés) delas.  

Até esquecemos que as musas, as deusas, as gatas

maravilhosas e super-produzidas que a gente

vê nas redes sociais, são de carne e 

osso como todo mundo.

Peidam e cagam como qualquer mortal. 


Ah, as musas...

Pouco ou quase nada diferem das putas tradicionais.

Posando de virgens em bordel. Dando mole 

e reclamando de assédio. 

Indo a orgias e se dizendo vítimas de estupro.

As musas de antigamente não jogavam 

tão baixo.







                o remédio


Como diz o velho Bukowski, chega um momento em que a gente fica tão sozinho que tudo começa a fazer sentido. Não no sentido de expiação, castigo, desgraça, embora às vezes assim o pareça. Mas para quem chegou a esse ponto por opção, ou mediante um providencial empurrãozinho do destino, a solidão, estar sozinho, chega a ser uma benção.

Pense nas vantagens de não se chatear à toa, nem chatear ninguém. Não precisar dar satisfações nem justificativas pelas mínimas coisas. Não precisar mentir, disfarçar, esconder, por senha no celular, não se sentir desprezado, usado, excluído, enganado, uma merda.

Pode se distrair sem culpa, fazer o que der na veneta, fazer merda, enfim, ser dono do próprio nariz.

Mas, é claro, tudo na vida é relativo. Devo reconhecer que em meio ao turbilhão em que me vi nesses últimos anos, topei com uma doida que só não me levou a passar por essa via crucis de novo porque ela não quis. Foi mais um inestimável favor que me fez. Não topar uma relação sem futuro, com alguém ainda preso ao passado, a um amor insubstituível. 

Mais um motivo para valorizar essa solidão que é mais uma libertação. Das injunções da vida a dois. O que um dia cansa, satura, bagunça o coreto. Às vezes ao ponto da ruptura. Nem por isso menos sofrida, dolorosa. Quando a chama do amor não se extinguiu, apenas amornou, arrefeceu.

Daí o drama das separações. Até a aceitação de que há males que vem para bem. Que não há uma só coisa perdida que não projete uma sombra, que não ofereça novas oportunidades.

O remédio é tornar as boas lembranças aliadas, ao invés do virtual luto que a separação, o ocaso de um grande amor ocasionam. Quando, na verdade, só o que morreu foi o tédio.


 







 






 









sexta-feira, 16 de outubro de 2020


               desculpe, 

     se não me fiz entender




Engano pensar que há uma palavra para cada coisa, pois há coisas que excedem qualquer coisa que as palavras possam expressar. Sentimentos, sensações, que nem as pessoas mais habilidosas com as palavras conseguem exprimir. O que acaba sendo possível através de imagens, em telas, nos acordes de uma música.

Mas o que poderia ser uma desvantagem da oratória e da literatura em relação a essas outras manifestações artísticas, é compensada pela poesia. Que quando em seu estado mais puro, seja clássica, romântica ou de inspiração onírica (a mais comum), dá conta da missão de restituir à palavra, ao menos de forma parcial, sua primitiva, e agora mais do que nunca, oculta virtude. Quem o diz não sou eu, mas um mago das letras, o argentino Jorge Luis Borges, que preconiza dois deveres a todo verso que se preze : comunicar precisamente um fato, e tocar-nos emocionalmente.

Quanto a estética, gosto é gosto, e como tal, não se discute.

Já disse várias vezes que não sei se o que escrevo tem valor literário, e estaria mentindo se dissesse que não me preocupo exatamente com os dois aspectos destacados por Borges : aliar factualidade e sentimento. Curiosamente, ao contrário do que pensava outro gigante das letras, Fernando Pessoa, para quem a emoção deve estar à serviço da razão. 

O que explica o seu extraordinário poder de dissecar os sentimentos, enquanto os versos de Borges se caracterizam pela reflexão e o uso até exaustivo de metáforas, em que passeia sua larga erudição em torno de espelhos, espadas, unicórnios e labirintos.

Ao percorrer os versos e resenhas intimistas que venho cometendo nos últimos anos, admito, como não poderia deixar de ser, que sentimentos negativos como mágoa, revolta, inconformismo, frequentemente se sobrepõem ao lirismo que deveria inspirar. Mas não vou me desculpar por coisas que vivi, que senti, e talvez nunca deixe de sentir. Porque como bem disse Borges, a poesia não é menos misteriosa e incidental que os outros elementos do orbe. Com a diferença de que nela, a emoção paira acima da precisão e do próprio julgamento.

Ordenar esses escritos de modo a que não soem como um amontoado de desabafos, desagravos ou abstrações inúteis, nunca chegou a ser minha preocupação. 

Porque são exatamente o que são. 



 



quinta-feira, 15 de outubro de 2020


                           as provações nunca acabam






Quando pensamos que não temos

mais nada à perder, 

que a vida já nos tomou e castigou 

o que podia,

eis que sempre algo mais se quebra, se perde.


O prazer acaba, 

a gente sobrevive à tudo,

mas o preço sempre é alto.

A competição é dura, as provações

nunca acabam.

Os mais corajosos sofrem calados.

Os mais desesperados desertam.

Ninguém pode recrimina-los.

Cada um carrega 

a dor 

que é capaz de suportar.







 





Às vezes me pergunto em que momento,

em qual alvorecer,

os lobos devoraram os meus despojos.


 

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