domingo, 22 de agosto de 2021



                            porque eu não quero um cachorro





1. Primeiramente, porque não tenho quintal. 


2. Não quero chegar ao ponto de achar que a convivência

com os bichinhos é melhor que a humana. O que, aliás, já acho.


3. Acho cruel condenar os bichos a vida doméstica de hoje em 

dia. Você ia querer viver a base de ração, que cortassem suas bolas ?


4. Não é bem recolhendo bosta de cachorro que eu quero para

o final da minha vida.


5. Não acredito nesse papo de que o cão é o melhor amigo

do homem. Deixa um pittbul ou rottweiler uma semana sem 

comer, para ver o que acontece.


6. Não quero ser visto como o dono daquele cachorro chato, que

late o tempo inteiro, faz estardalhaço quando vê outro dog, 

irritante como aquelas crianças mimadas que só os pais acham

uma graça.


7. Ninguém vai me ver levando cachorro para passear em bicicleta,

moto, patinete, com o dito-cujo no colo enquanto dirige, 

ou arrastando o bicho resfolegante em corridas, muito menos 

catando-lhe as pulgas enquanto vê tv, ou deixando-o

lamber a boca, depois de cheirar o fiofó de outros coleguinhas, 

lamber as partes, e sabe-se lá o que mais.

Eu, hein? Tô fora !


Notem que nem falei dos gastos, nas implicações de cunho 

emocional, nas limitações ( e obrigações ) 

que ter um bicho em casa impõe. Mas também sei que nada disso 

supera o prazer,  a alegria, em suma, as compensações que

convivência com esses seres especiais nos trazem. 

E não só de cães e gatos. Todo animal é capaz de não só 

corresponder, como retribuir o afeto que lhe é dado. 

Às vezes de forma até mais marcante que a proporcionada 

por um ser humano.

Como me aconteceu recentemente, com um pardalzinho que meu

filho pequeno recolheu da rua, recém-nascido, e que contrariando

todas as probabilidades, não só sobreviveu como fez parte de nossa

família por quase quatro anos. 

Sem precisar de gaiola, livre, feliz, sujando, cagando por tudo, 

como é típico deles, mas enchendo de amor nossa casa 

como só os seres destituídos de maldade 

conseguem. 




 







                         Não é lindo, o amor ?





Amar é um troço tão louco que às vezes 

você tem mil razões para ir embora,

e uma só para ficar.

E você fica.

"Ele não deixa faltar nada em casa", diz ela.

"Ela é uma boa mãe", diz ele.

Não é lindo o amor ?



                            Por outro lado...


Nada mais constrangedor do que ver um ex-amor 

com os olhos normais, ou seja, despido de truques e

disfarces.

Inevitável não se perguntar, como fui amar

essa criatura um dia ? 


                       





 

sexta-feira, 20 de agosto de 2021


                             lucidez



 



Com lucidez tremenda,

fez que não viu

e seguiu em frente.


                           Morto não paga.

                           Mas também não recebe.


A paz que me falta... 

que não seja póstuma.

 



                Como diria Quintana, só o perdido é para sempre.

                        

                       








                     roteiros




É sempre o indizível que deslinda

a paz do meu tormento.

No pedestal do tempo, os roteiros retorcidos

se ajustam ao penhor deste desterro.

Para que eu possa seguir além dos enganos.

Sem o repertório de máscaras da trama 

que ora finda.


 




                           Influxos





É preciso coragem para viver.

A vertiginosa pululação do dramatis personae

se embacia de fastio. 

No ar, o voo pesado de abutres gordos paira como

metáfora recorrente.

Líquido e certo que um dia a catástrofe sobrevêm.

Os demiurgos amassam as premonições, enquanto

o crepúsculo esculpe estátuas.

Noite após noite, o homem se refaz sonhando-se adormecido.

Compreende que o engenho de modelar a matéria requer

velhos olhos.

Esgotados os votos aos numes terrestres, desperta da intolerável

lucidez da insônia.

Implora por desconhecido socorro.

Um múltiplo deus se revela e preconiza que uma vez

cumprido os ritos da dor,  gradualmente, 

habituar-se-à a realidade dos heresiarcas e dos crucificados. 

E vai cuspir seus surdos apelos,

como se embandeirasse um cume longínquo.

Não menos vil, porém, escudado por gnósticas cosmogonias,

descobre que a bem-aventurança (assim como o bem)

é um atributo que não deve ser usurpado por anátemas

sem provas.

Em conjecturas que se esgotam no ditame de leis

labirínticas, atreladas ao acaso.

Sob o influxo de deuses degenerados.




 

 

 

domingo, 15 de agosto de 2021




                      o timoneiro





Ensaio hoje o meu schwanengesang.

Áugure da efemeridade das coisas.

Na plenitude e esgar dos sonhos. 

Paradoxalmente, nunca tão só.

No epílogo da rematada jornada.

Porém, com largas compensações.

Nunca tão lúcido.

Nunca tão despojado dos entulhos que acumulamos

 ao longo da vida. 


Acima de tudo, o coração alto e doce impera.

Uma resignação madura bate a terra dura

com o casco das coisas humildes.

Fiquei muito aquém do que podia, 

mas não naufraguei.

Tendo Deus como timoneiro, "não sou eu quem 

me navega,

quem me navega é o mar."

 

(O Timoneiro/Paulinho da Viola)






Postagem em destaque

                            a noite eterna a noite eterna chega devagar a vida passa devagar até tudo passar e você de repente acordar sozin...