sábado, 25 de junho de 2022


         o que eu ainda quero da vida





A cada dia mais me desconheço.

Indefinidamente, regresso à vida.

Compartilhando a visão perturbadora da inocência

e da maldade.

Guardo comigo o princípio e o fim.

O fruto, a flor, sexo sem nome, o riso dissimulado,

o mistério de corações corroídos de ferrugem.


A vida que eu quis é a vida que eu tenho.

Precedida de submersas paisagens, âncoras de vida,

monopólio da infância que se quebra e se reagrupa.

À causa de encontrar-me tenho vivido.

Provando a terra, vasculhando gavetas, 

despencando de abismos metafóricos,

inúteis como dente do siso.


Que ninguém se atreva a julgar-me !

Sou meu próprio juiz e carrasco.

Sonho o sonho proibido.

Busco prazeres inconclusos.

Cheio e oco por dentro.

O coração repleto de sentimentos complexos.

O que ainda quero da vida ?

A lúdica paciência do pescador.







 

sexta-feira, 24 de junho de 2022


            amor & paixão





 


Na cronologia das paixões, o amor é intruso.

Híbrido. Rouba a cena.

Paixão é carne.

Amor é coração.


Da paixão ao amor, a vida gira ao contrário.

Paixão é o abismo dos sentimentos.

Amor é a fábula que se converte em usura.

Ambos separados pelo tempo, que é âncora e naufrágio.


Como tudo que se faz ausente, 

o desfecho bélico ou melancólico

devora os desejos.








domingo, 19 de junho de 2022




                   ser humano





Não há façanha maior do que o viver bem vivido.

À luz da razão mas sem deixar de ouvir o coração.

Ser capaz de refazer o caminho a cada tropeço.

Ter a alma limpa como a das criança.

Reinventar o amor para que não perca sua essência.

Fazer das armadilhas do tempo compêndios de libertação.

Embrulhar o sol para desinventar as tristezas.

Entender a anatomia de cada palavra.

Descobrir diamantes na pedra bruta, e saber, 

ter paciência para lapidá-los.

Sonhar o sonho factível.

Da mentira e da hipocrisia lavar-se.

Ouvir o silêncio, ser gentil com o cansaço.

Afastar-se de tudo que não reparte, que não possa ser repartido.

Ser fiel a seus medos, para que possa aquietá-los.

Conquistar o direito de ser feliz, sem atalhos

nem subterfúgios.

Ser humano. 





 




                    ELEGIA





Nada me restou senão a mim mesmo.

Trago veredas e fragmentos de solidão no olhar.

As respostas que procurava abriram fendas no nada

das causas naturais.

De concreto, apenas o olfato

                                     o tato

                   e o fato de ainda poder celebrar

a angustiante alegria de viver.

Pois mesmo quando a vida fere,

a força dos sentimentos ausentes

pavimentam os caminhos que meus pés

ainda não andaram.




 

sexta-feira, 17 de junho de 2022



                                    a ressaca da verdade





 

Meu mundo perdeu-se do mundo.

Meus sentimentos debandaram para o limbo dos abandonos.

Raciocínios tortos engendram formas de sarar as feridas.

Conquanto o coração pulsa rendido de desencantamentos.

No mundo que se desfaz em meio às aparências,

as palavras já não atingem o seu fim.

Na ressaca da verdade, os segredos de ontem boiam como merda

na privada.

Vivo de apegar-me a crenças postiças, em que sonho 

e imaginação se confundem.

Encarando a rotina como uma viagem inacabada,

na qual o amor paira como um girassol seco

esquecido no canto da sala. 

Escrevo minha história como um cão que uiva 

para a lua.


  

quinta-feira, 16 de junho de 2022



                        precaução 






Ninguém perde por duvidar.

Por se precaver contra tudo o que vem do ser humano.

Confiar é a maior besteira que se pode cometer na vida.

Não é à toa que amor e amizade só prosperam na falsidade. 

Tente ser correto, sincero, para ver o que acontece. 

Um fala e o outro finge que acredita, e vice-versa : eis 

o arranjo perfeito.



quarta-feira, 15 de junho de 2022

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