sábado, 13 de agosto de 2022




                    pegar ou largar

                       ilustração de Rene Magritte


Apesar dos pesares, não descreio do amor.

Desde que preencha certos requisitos, normalmente 

ignorados,

mas que após tantos malogros, passam a ser pétreos. 

Que haja compatibilidade como muro e caramujo,

pedra e musgo,

calça e suspensório,

cipó e macaco,

cupim e madeira,

a coisa e o coiso.

Que haja intimidade como a corda e o enforcado

a aldrava e a porteira,

o bicho e a goiaba,

o osso e o tutano.


Que o amor saiba ser vital e desimportante,

como as coisas que vivem e apodrecem,

discursos entupidos de silêncios,

palavras que secam ao sol,

repositório de vidros, grampos, urinóis. 


Mas não estranhe se ainda assim

o amor mije na sua perna,

defeque na sua cabeça.

Capaz das coisas mais ordinárias.

Em não tendo limites nem fronteiras.

Às vezes belo e gratificante

Outras vezes, seco e oco como junco.

É pegar ou largar, como sempre.









 





       ela veio passar a tarde

      e nem vimos a tarde passar... 





                   coisas que ninguém me ensinou





A teoria é sempre melhor que a prática. Em tese. 


Pensar por conta própria é um luxo para poucos.


As coisas definitivas não acontecem por acaso.


A besta humana está sempre disponível 

para as coisas mais sórdidas.


A incapacidade de perdoar é um luto permanente.


Perdoar uma traição não é só uma questão de querer.

Requer ampliar as virtudes até a quimera.


O dinheiro não compra felicidade. Pouco dinheiro, né ?









  



                          BECOS



Beco que se preze não tem saída.


           Beco sem bar 

           é como um homem sem lar.


Todo beco tem um marginal

de estimação.


            Beco que é beco tem aversão

            a carros, luz estridente, gente normal.


Beco sem bêbado, prostitutas e ratos,

que se renda aos fatos.


             Beco é uma rua que não tem para onde ir.




                   



                     os poderes do mundo





Nos limbos da verdade

colunas perenes

em conformidade com o oculto

aludem a desditas

que já nasceram tristes.

Os poderes do mundo

subvertem a provisória aliança

com Deus. 



                     estar só




Estar só é dormir entre flores.

Estar no seio da morte.

Nu e liberto

nas bordas da existência.


Estar só é viver de miragens.

Afagar casas tortas, sutis venenos.

É ir além de si próprio,

para chorar com os mendigos.


Estar só é viver em dobro.

Íntimo de covis de mil acenos.

Beber da água mais pura

com a boca imunda de apelos.


Estar só é abrir os braços

para o abraço que não pode ser.

É uma saudade estranha escondida no coração.

E gostar de estar assim, esquecido.







 

domingo, 7 de agosto de 2022


                                   terra abençoada




                    


Domingo frio e chuvoso, pouca gente na rua,

saio para caminhar, como de hábito.

A orla santista é bonita

mesmo com o tempo carrancudo.

Santos, terra abençoada !

Onde fixei morada há quase meio século.

Onde vi crescer meus filhos,

construí minha história,

fiz incontáveis amigos, alguns poucos 

desafetos,

que foram os que mais me ensinaram.


Por mais feliz que eu tenha sido 

em minha infância gaúcha,

foi aqui que me fiz homem.

Onde, a exemplo do meu saudoso pai,

deixo um nome do qual meus filhos 

podem se orgulhar.

Obrigado Santos, pelos dias de ouro e 

de chumbo,

por tantos domingos de sol e de chuva,

os quais ainda hoje, perto do fim, celebro 

por poder desfrutar.




Postagem em destaque

                          o quanto sei de mim Faço do meu papel o sonho de um desditado.  Cavalgo unicórnios a passos lentos, para que o go...