sábado, 8 de outubro de 2022



                         aqueles que se foram


* EM MEMÓRIA DE VINCENZO DI GREGÓRIO NETO





Penso naqueles que se foram.

Que foram amados, que amaram,

foram "alguém".

Viveram entre nós, deram o seu melhor,

e o seu pior também, falíveis como todo ser humano. 

Fugazes como todas as coisas perecíveis.

E como tal, aos poucos esquecidos,

relegados a alguma lápide fria.

Ou nem isso.



 

sexta-feira, 7 de outubro de 2022



                 a falta que não faz falta



Eu sei,

você não sente a minha falta como sinto a sua.

Não fosse assim, não daria "cano" 

por qualquer  motivo. 

Não chegaria sempre atrasada.



Eu sei,

você não sente a minha falta como sinto a sua.

Pensando bem, melhor assim.

Amar é bom mas encurrala.




 

segunda-feira, 3 de outubro de 2022




                     o joio e o trigo





Há um lado sombrio no amor.

Um lugar onde o sol não alcança

e as flores não medram.

Em que o medo e a insegurança criam raízes.

Na terra fecunda e generosa, a erva daninha

do ciúme faz estragos consideráveis.

O coração arbitrário não diferencia o joio do trigo.

Só se dá conta do amargor do pão

quando já é tarde.






 

domingo, 2 de outubro de 2022



                                causa perdida




 

O mundo é uma causa perdida.

Carece de ser reinventado.

Sem usura, sem impostos, sem mentiras.


A vida já parte de premissas erradas.

Crua e dura, a desigualdade vem de berço.

A busca pelo conhecimento é infinita e sem esperança.


O coração devotado, clama por ser enganado.

O amor ignora as trapaças.

A insondável trama conjura os pecados.


Paixões, ódios, mentiras, desenganos, são a sina

da humanidade. 

Toda sorte, adversa ou favorável, é obra do acaso.

O melhor da vida se resume a breves encantos.


 

sábado, 1 de outubro de 2022



                   sempre o mesmo périplo




Vigilantes, olhos famintos nos espreitam.

Loucos, ladrões, pederastas, saindo de prédios,

de bueiros, 

circulando pelas ruas em bandos,

logo, multidões.

Ninguém mais sabe quem é quem.

No mundo dividido entre chefes e cativos,

ricos e pobres, 

os infatigáveis conflitos semeiam eternas

discórdias.

Viver é apenas um hábito de metamorfoses e desditas.

Ninguém é inocente até que se prove o contrário.

Tudo remonta à miséria humana.

De superar-se ou quedar-se

nas vagas da verdade ou da infâmia.

Maior que tudo são as coisas sem nome.

Um punhado de ossos.

O ruído da chuva no telhado de zinco.

As ruínas da tarde.

A luz que refulge no mar.

O vento que encrespa à noite.

O pacto com o acaso. 

Violência e ternura no mesmo gesto.

Ideias que velam quimeras.

Coisas que o amor traz e leva.

Defuntas crenças.

Gente, povo, gado.

Sempre o mesmo périplo. 








 



 



                             duro é o saber





Duro é o teu saber.

Errante como um cometa que se perde

no cosmos.

E que o tempo nunca alcança.

Teus passos numerosos quedam quietos,

bruscamente.

As certezas, com os anos, te deixando.

Salva-te a veneranda velhice

em que a sabedoria, em fuga,

dialoga com os mortos.


 



               a volta por cima




 

No fim do caminho tinha uma ribanceira.

Que exigiu forças que eu não tinha.

Cai, levantei

sacudi a poeira

e dei a volta por cima.

 

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