convergências
Palavras se perdem.
Amizades se dispersam.
Sentimentos convergem em meio ao olvido.
Na linguagem que dissimula como branco
e súbito raio.
efabulações
A vida pensada nunca é como pensamos.
Os pensamentos nos traem, os sentimentos nos enganam,
as pessoas quase sempre nos decepcionam.
A cabeça pensa mas é o mundo quem manda, dando
ordens, impondo condições.
Perdidos em efabulações, impossível não considerar
a razão das vísceras.
A mais alta forma de expressão prescinde de palavras.
É feita de pulsações,
latejos, contrações, arrepios.
A linguagem das entranhas governa a existência.
A dor é o maior dos argumentos.
No poema que se escreve com um bisturi de aço,
o câncer é a antítese da beleza.
coisas que a gente já
devia nascer sabendo
Ninguém nasce sabendo, o quanto antes amadurecer, melhor.
Não conte com a sorte nem espere nada de mão beijada.
Faça acontecer.
Descubra o quanto antes suas aptidões. E invista tudo nelas.
Não espera nada de bom de ninguém. Afeto e interesse
incondicionais, só o dos pais. E olhe lá.
Não se torne dependente de vícios, drogas, sexo, e do próprio afeto.
Que só servem para fragilizá-lo.
Desconfie de tudo que é fácil, excessivo, gratuito. Tudo
tem seu preço, e o diabo é ardiloso.
Não ajude quem não merece, pois são os primeiros a lhe virar
as costas e jogar pedras.
Não acredite em promessas, juras, ainda mais em nome do amor.
Não desperdice seu tempo com o quê não dá dinheiro. Como
meu pai sempre dizia, burro carregando de açucar até o cu é doce.
outra vibe
Confesso,
pensei que seria mais difícil te esquecer.
Mas você facilitou minha tarefa.
Mostrando sua verdadeira cara.
Deixando claro que nunca chegou a me amar.
Como eu já desconfiava.
Razão pela qual me desapeguei tão rapidamente
quanto me apaixonei.
De tudo, só o que permanece
é a bela lembrança de você saindo do banho
com a toalha enrolada no corpo,
do sexo desvairado,
e do buquê de maus presságios
que no fim prevaleceu.
Boa sorte, minha cara, que eu já estou
em outra vibe.
eu sou aquele que morreu e não sabe
Eu sou aquele que pensa nas delicadas melodias
que o tempo afasta lentamente.
Acompanha-me a trama jubilosa, a jornada adversa
que rege o muito e o precioso que perdi.
Para além das coisas vistas, rostos que não quero recordar,
ao morrer tão devagar.
Eu sou aquele que morreu e não sabe.
diamantes
Quando tudo parece inútil e incerto,
contemplando o inexistente, a vida sem sentido,
sufocado por um sentimento de morte silenciosa.
Quando tudo se repete dia após dia,
e os anos passam sem nada para reter,
nada além de recônditas epifanias.
Quando a vontade gasta se desprende
enquanto o irreversível tempo avança,
e a esperança
destece sua cansada história.
Quando o grave círculo que tudo abarca
completar seu ciclo, e a carne corrompida
remontar aos gozos infernais.
Quando, enfim, se ver envelhecido em meio
a tantos espelhos e delicados paradigmas,
esquecido do próprio passado.
Quem sabe, então, a rotina, o sonho e os rostos
apagados da memória, se convertam em esplêndidos
e atrozes diamantes.
feras domadas
Sob o disfarce da linguagem pueril, não há nada de gratuito
no que escrevo.
Nenhuma palavra, nenhuma frase, nenhuma construção verbal
que não tenha um propósito.
Que não tenha a ambição, talvez desmesurada,
de trazer à baila aquilo que nos faz humanos : a emoção.
Nada do que escrevo é gratuito, posto que, senão
exatamente vivenciado, garimpado do fundo da alma,
em conúbio com o coração.
Sou o que escrevo. Invenção mal acabada de mim mesmo.
Professo o imaginário, como um prestidigitador que semeia
devaneios.
Meus fracassos e infâmias são feras domadas, caídas ao preço
de tantos tropeços.
Das quais me penitencio compartilhando meu fado com o mundo.
Perpetuado de ausências.
Extraindo poesia contra o mundo vasto e desfeito.
a noite eterna a noite eterna chega devagar a vida passa devagar até tudo passar e você de repente acordar sozin...