sábado, 22 de outubro de 2022

 


                                                  convergências





Palavras se perdem.

Amizades se dispersam.

Sentimentos convergem em meio ao olvido.

Na linguagem que dissimula como branco

e súbito raio.






                  efabulações






A vida pensada nunca é como pensamos.

Os pensamentos nos traem, os sentimentos nos enganam,

as pessoas quase sempre nos decepcionam.

A cabeça pensa mas é o mundo quem manda, dando

ordens, impondo condições.

Perdidos em efabulações, impossível não considerar

a razão das vísceras.

A mais alta forma de expressão prescinde de palavras.

É feita de pulsações,

latejos, contrações, arrepios.

A linguagem das entranhas governa a existência.

A dor é o maior dos argumentos.

No poema que se escreve com um bisturi de aço,

o câncer é a antítese da beleza. 




quarta-feira, 19 de outubro de 2022



                      coisas que a gente já

                devia nascer sabendo





Ninguém nasce sabendo, o quanto antes amadurecer, melhor. 


Não conte com a sorte nem espere nada de mão beijada. 

Faça acontecer.


Descubra o quanto antes suas aptidões. E invista tudo nelas.


Não espera nada de bom de ninguém. Afeto e interesse 

incondicionais, só o dos pais. E olhe lá.


Não se torne dependente de vícios, drogas, sexo, e do próprio afeto.

Que só servem para fragilizá-lo. 


Desconfie de tudo que é fácil, excessivo, gratuito. Tudo

tem seu preço, e o diabo é ardiloso.


Não ajude quem não merece, pois são os primeiros a lhe virar

as costas e jogar pedras.


Não acredite em promessas, juras, ainda mais em nome do amor.


Não desperdice seu tempo com o quê não dá dinheiro. Como

meu pai sempre dizia, burro carregando de açucar até o cu é doce.




 





 



                      outra vibe



Confesso, 

pensei que seria mais difícil te esquecer.

Mas você facilitou minha tarefa.

Mostrando sua verdadeira cara.

Deixando claro que nunca chegou a me amar.

Como eu já desconfiava.

Razão pela qual me desapeguei tão rapidamente

quanto me apaixonei. 

De tudo, só o que permanece 

é a bela lembrança de você saindo do banho 

com a toalha enrolada no corpo,

do sexo desvairado,

e do buquê de maus presságios

que no fim prevaleceu.

Boa sorte, minha cara, que eu já estou 

em outra vibe.


 

 

terça-feira, 18 de outubro de 2022



                  eu sou aquele que morreu e não sabe






Eu sou aquele que pensa nas delicadas melodias

que o tempo afasta lentamente.

Acompanha-me a trama jubilosa, a jornada adversa

que rege o muito e o precioso que perdi.

Para além das coisas vistas, rostos que não quero recordar,

ao morrer tão devagar.

Eu sou aquele que morreu e não sabe. 



segunda-feira, 17 de outubro de 2022



                  diamantes





Quando tudo parece inútil e incerto,

contemplando o inexistente, a vida sem sentido,

sufocado por um sentimento de morte silenciosa.


Quando tudo se repete dia após dia,

e os anos passam sem nada para reter,

nada além de recônditas epifanias. 


Quando a vontade gasta se desprende 

enquanto o irreversível tempo avança, 

e a esperança

destece sua cansada história.


Quando o grave círculo que tudo abarca

completar seu ciclo, e a carne corrompida

remontar aos gozos infernais.


Quando, enfim, se ver envelhecido em meio 

a tantos espelhos e delicados paradigmas,

esquecido do próprio passado.


Quem sabe, então, a rotina, o sonho e os rostos

apagados da memória, se convertam em esplêndidos

e atrozes diamantes.













 

quarta-feira, 12 de outubro de 2022



                  feras domadas





Sob o disfarce da linguagem pueril, não há nada de gratuito 

no que escrevo.

Nenhuma palavra, nenhuma frase, nenhuma construção verbal

que não tenha um propósito.

Que não tenha a ambição, talvez desmesurada,

de trazer à baila aquilo que nos faz humanos : a emoção.


Nada do que escrevo é gratuito, posto que, senão

exatamente vivenciado, garimpado do fundo da alma, 

em conúbio com o coração.

Sou o que escrevo. Invenção mal acabada de mim mesmo.

Professo o imaginário, como um prestidigitador que semeia 

devaneios. 

Meus fracassos e infâmias são feras domadas, caídas ao preço

de tantos tropeços. 

Das quais me penitencio compartilhando meu fado com o mundo.

Perpetuado de ausências.

Extraindo poesia contra o mundo vasto e desfeito.



 



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