sexta-feira, 3 de março de 2023



               prêmio de consolação




Nada é mais do que tenho.

O definitivo não retorna ao antigo instante.

Na hora em que a mente se desdobra em gélidos mosaicos,

só o que fica são pedaços de histórias estúpidas e baças,

enquanto o improvável já vive outras vidas.


Te perco, paixão, nos silêncios porosos que impões

quando te ausentas.

E o querer se torna um jogo que consome 

em pequenos sorvos.

Os segredos, à porta, auscultam o denso vário dos desenlaces.

Te perco como um lamento incessante a esbater-se

nos passos em falso.


A procissão dos anos remonta à dores arcanas 

e carne depravada.

Te perco quando tua ausência se cobre do musgo dos dias

sem sentido.

E o pulsar das partidas são rastros que somem

sem deixar vestígios.


Nada me recorda as paixões de outrora.

Se maltratado, o amor retrocede a terra entristecida,

em que o despertar forja fantasias recidivas.

Os ciclos se completam no caos disforme dos desgastes.

Ainda não é nascido o sentimento que perdure, conquanto

o coração relute em jogar a toalha.


Te perco porque tudo se perde, como Troia perdeu Helena,

e o amor se dispersa em diásporas irreversíveis.

O tempo é o grande inimigo dos amantes, as palavras inventam

distrações que macetam a dura realidade.

Todavia, a vontade é soberana e não se curva aos infortúnios.

No mundo oco e sem fundo, o peito de chumbo se vira como pode.


Os anseios febris se alongam e ressurgem, como tudo 

que é humano. 

Cedem à mente e as tentações da carne, como bons devotos

do sacrílego. 

O chamado os põem a caminho, imaginação à solta e 

a pseudoconsciência devidamente acoimada.

Na falta do amor, o sexo como prêmio consolação. 



 







 
















 




                         esse brincar com as palavras






Esse brincar com as palavras.

De solitárias efabulações.

Acoimadas por paixões sem diretrizes.

Em metáforas e rimas espiraladas.

O irreprimível como pano de fundo. 

Mente e coração em sintonia.

Poesia.





segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023



               a imagem e semelhança





Meu irmão tem a pele das mais diversas raças.

Meu irmão tem história de osmoses incandescentes e ritos

primitivos.

Meu irmão é íntimo de todos os descaminhos, tem o corpo

inocente e lacerado de todas as desditas.

Meu irmão é animal irracional, vítima e algoz da orbe petrificada.

Meu irmão tem o rosto do martírio e da conflagração. 

Meu irmão tem as mãos calejadas e repletas de ternuras 

amanhecidas.

Meu irmão luta e apascenta. Quebra e se refaz.

Meu irmão é fera e poeta. Carrega a agonia de todos os jugos 

e fomes.

É filho e pai. Covarde e herói.

A imagem e semelhança de quem o fez.






 

domingo, 26 de fevereiro de 2023




                     a causa de viver





Amargos dias se despedem dos numes terrestres.

Rarefeitas as lides, estagnados os passares mundanos,

a revoada dos sonhos deixa para trás a crosta pestilenta

das sagas merencórias.

Meu corpo, primeiro e derradeiro abrigo da alma seccionada,

madura em hortas esquecidas.

Entre a doçura das aragens e a azafama das colheitas, aduba 

a consciência sobranceira.

Aqui é além do que meu penhor de incoerências remonta.

Sobrevivo ao pomar destruído 

perdidamente devotado a causa de viver.

Minha terra macia de ternura

ainda anseia por amor.




 

sábado, 25 de fevereiro de 2023




                  minha vida, em cinco atos 




 

 

                     

Até os dez anos de idade, já tinha vivido tanto, usufruído tanto, 

que a vida já teria valido a pena.


Até os vinte, não foi muito diferente, meus anos dourados, mas

as primeiras mancadas resultaram em consequências irreparáveis.


Até os trinta, fiz de tudo e um pouco mais, e paguei o preço.


Até os quarenta, tentei recuperar o terreno perdido, finalmente

criei um pouco de juízo.


Até os sessenta, tudo parecia caminhando relativamente bem, 

mas daí em diante, menino, nem te conto. 

Até livro rendeu.





 


                                        

                    carapaça luminosa




                                                                             

Estou aqui e não estou.

O que fiz da minha vida constela-me de estrelas

e naufrágios.

Meu coração cabotino foi um mau conselheiro.

Vereda aberta em que a frágil beleza do amor se emporcalhou.

Não obstante os infatigáveis sonhos, colheitas e frutos

o austero mundo consumiu, 

concomitantemente aos espaços corrompidos, enfim e no fim, 

de alguma forma redimidos.

Sigo sem saber para quê e para onde vou,

raspando a memória da realidade oca, refugo da minha história.

Desço aos arrabaldes da existência beirando os detritos

que me mantém vivo. 

O amor consignado ao vil preço das barganhas sexuais,

recusa a capitulação nada honrosa. Padeço mas já não sofro.

A luta perdida partilha o pão dos desejos gregários.

Dessa vez sem receios e remorsos vãos.

Estou só. A ninguém devo satisfações.

Apesar da erosão do tempo e da fadiga, a carapaça luminosa

de meu ser

ainda faz a vida valer a pena. 












 



 



                      passantes



Escrevo o que me vem à cabeça.

Daí tanta bobagem

Longe de mim ser original.


                     Não receio te perder.

               Ninguém perde o que não tem.

               

Sem prosperidade a vida emperra.


              Sem Deus, a vida não faz sentido.

              Exista ele ou não.


Ninguém é feliz 

não tendo o que perder.

Eis o paradoxo. 


              A morte é uma libertação.

              No mais das vezes, indesejada.


Todo estrago 

deveria ser compensado

com afago.


             A vida passa

             sem ligar

             para os passantes.


Essas garotas de verão,

exibindo seus corpões,

no inverno

para quem se exibirão ?


             Se você caiu na lábia de algum vigarista,

             não se chateie.

             És apenas mais um para o clube.



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