domingo, 26 de março de 2023



                           contra fatos, não há argumentos



É fato que 

quem vai embora, não embolora.

Máquinas incríveis e risíveis se locupletam.

Finalidades evocam prioridades.

O sono leve não perde a hora.

Artifícios encobrem vilipêndios.

Primores de proezas suscitam esplendores agônicos.

Mercenários fazem o trabalho sujo.

Báratros primam pela eficácia. Pena que extintos.

Contra fatos, não há argumentos.





 



                  balé de essências



A sutil ordenação das coisas confunde e arrebata.

As relações cortantes urdem abismos.

Beata ignorância abriga fábulas infamantes.

Crenças malogram mas renascem, eis o paradigma recorrente.

A pressa de revelar-se introduz o sémen novo.

Para que o postergado sobreviva.


A vida passa filtrada em sinfonias que não se decifram.

Sistemas e estruturas subjugam o homem

que a si mesmo subjuga.

O silêncio dos livros sonega o conhecimento que concilia

ciência e a arte de viver.

Feliz de quem usufrui de seu balé de essências.







 

sábado, 25 de março de 2023



                     poema inacabado


                      Stèphane Mallarmé

           


A vida passa arrancando pedaços, chutando latas,

cravando os dentes na carótida.

Em meio à coletânea de cenas fúnebres

e dias amargos,

o esquecimento acalma o coração.

A ignorância, como acalanto, arrefece desesperos

e receios.

Não saber é uma benção.

Mantém o equilíbrio das coisas.

Nossa pequenez ancora-se no desconhecido.

O traço seco do destino tem olhos de águia. 

A aventura humana se esgota e retorna a matéria

no limiar do insólito.

Na luta fracassada, na farsa grotesca, 

a busca do inalcançável se reveste de fugazes sutilezas.

As fronteiras do mundo são estreitas.

O corpo nos trai.

Quando menos se espera, o fantasma da página em branco

de Mallarmé nos abarca.

A vida acena como um poema inacabado.






 


                          

                      sem pé nem cabeça



Como a maré, a vida flui e reflui.

Curta e circular.

Esquiva e líquida.

Haste e movimento.

"Situación de cosa em libro abierto" (Moacir Amâncio).

Invento que inventa-se e se reinventa 

a qualquer instante.

Ou jaz em solene afasia.


O duplo sentido é a via de anúncios luminosos.

De voos rasantes e altos percalços.

Na vida sem pé nem cabeça, a marca dos dias

inventa pretextos.

Recria pactos, condições, algemas.

Velhos enigmas elucidam a matéria informe.

Às vezes, a urgência de amar é a mesma de esquecer.

Rescaldo de silêncios indecentes









 



Meu lugar não tem lugar

onde gostaria de estar.

Meu lugar, no teu coração,

já está ocupado.


 




                   se liga, moça                  



Não sabe o que quer

Faz tudo errado

E depois culpa os outros.


Não sabe o que quer

E se sabe

Não faz por merecer.

E depois culpa os outros.


Não sabe o que quer

Não sabe amar

Se liga apenas nas coisas materiais

E depois culpa os outros

Por nada obter.


Não sabe o que quer

E tudo quer

Mas sem retribuir

Fica a ver navios.

Por culpa dos outros, é claro.


Moça, se manca, vê se toma jeito.

O tempo passa, as oportunidades desperdiçadas

não voltam.

Desse jeito acaba na roça

ou volta para o puteiro.













 




                       marginal



Como pode alguém ser tão bela,

irresistivelmente encantadora, quando quer,

e ao mesmo tempo tão vulgar,

uma autêntica marginal,

se apropriando de meu coração,

para depois maltratá-lo.

 

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