sábado, 6 de maio de 2023



                     venturosa história





 

Tive toda sorte do mundo.

Não nasci desnaturado, aleijado.

Não me perdi em berço de ouro 

nem chorei por abandono.


Tive toda sorte do mundo.

Nunca precisei mais do que tive.

Afeto, alimento, nunca me faltaram.

Meu anjo da guarda sempre esteve comigo.


Tive toda sorte do mundo.

Mesmo tudo perdendo, sempre me recuperei.

Não sou rico mas nada me falta.

Até um novo amor encontrei.


Tive toda sorte do mundo.

Com mais sorte do que juízo.

Oxalá o epílogo esteja à altura

de tão venturosa história.









                 sem respostas



Amanhece.

Nada é o que parece. 

A vida reinventa seu exuberante inferno.

Reunindo e apartando.

Ferindo e curando.

Abrindo e fechando portas.

Articulando e desfazendo.

Recompondo-se sem  distinguir

o certo e o errado.

Alteando-se ao desumano convívio.

Transitando entre exílios e ardis sexuais.


O eflúvio das manhãs irrompem em meio

a embriões e eternas controvérsias.

Qual a receita para os dias mais ásperos ?

Qualquer tempo é tempo de nascer e de morrer.

Qualquer tempo é tempo de fazer valer a pena.

Qualquer tempo habita um tempo para viver

e que foi vivido.


Pequenas fugas, doenças ocultas, a vida desmorona

nos elementos que ignoramos.

O que passa decifra-se até as lindes do inconsciente.

O mundo de cada um deixa-se possuir pelo que degrada,

pelo amor que se vinga,

quando o disfarce já não serve,

quando as delícias punem,

e a vida dadivosa se desfaz.


Amanhece. Nada é o que parece ou pareceu.

Os males de nascença, os laços que consomem,

o amor que trai. 

A manhã engravida o dia de mortes sem morte.

Dia que se interroga e entardece sem respostas.

A vida distribui e recolhe.

É tudo que se pode saber.
















 



                    os engenhos da paixão   



                 



Inquiro os insolentes engenhos da paixão.

Se tudo se limita aos apelos do sexo.

Se a mentira é doce como mel.

Se o futuro é risonho e bem-aventurado.

Se a imaginação é melhor que a realidade.

Se ninguém é confiável.

Se o penhor da entrega é chorar as lágrimas 

de todos os olhos.






                    o que não podemos ver



O que não conseguimos ver.

A verdade sonegada.

A farsa,

os segredos obscuros,

a vida dupla,

as mazelas,

coisas inimagináveis, insuspeitas.

Abscônditas, cuja revelação retardada

tudo consome,

tudo transfigura,

o amor irremediavelmente macula.








 

sexta-feira, 5 de maio de 2023



                   sangue fresco




Minhas lembranças são como vidas passadas.

Volto pelos caminhos a procura de mim, sem encontrar-me.

Em cada etapa da vida fui outro.

Sou o outro que sabe ter vivido de enganos.

Que traz consigo o pó das coisas findas.

O espectro das ilusões jamais confirmadas nem desfeitas,

poreja a existência sucateada.


Morri para as vidas que tive me evadindo dos afetos

mordentes,

que a tudo e a nada me levaram.

Renasço contra o mundo desfeito.

A sombra da sombra do homem que fui.

Surpreendentemente refeito das tantas vezes que me

assassinaram.


O sangue fresco de uma nova era - bendita ninfa ! -

referenda o novo sentir,

a vida reinventada sob novas condições.

Amar de novo, por que não ?

O céu das possibilidades já não é azul,

nem a alma límpida, mas a despeito de tudo, 

alguma coisa em mim me obriga a continuar acreditando.

Uma força interior me protege dos desastres

cotidianos.


As vidas que vivi morreram sem pompa nem circunstância,

posto que esvaídas até a última gota.

O defunto amor morreu por mim.

Horrível dizer, mas foi melhor assim.

O que morre se torna melhor depois que morre.











 

quarta-feira, 3 de maio de 2023




                   sonho ou pesadelo ?






Cem anos em dez anos.

Dez anos em um ano.

Um ano em um dia.

Assim caminha a humanidade.

Célere e incontrolável como um trem desgovernado.

Um novo-velho-mundo emerge das sofisticadas tecnologias

da era digital.

Rompendo as barreiras do impossível.

Computadores, máquinas, robôs, redefinindo conceitos,

estabelecendo novos padrões de trabalho, de relacionamentos,

de conduta.

A privacidade devassada. A liberdade vigiada. 

O tribunal do santo ofício redivivo nas redes sociais.

A Inteligência Artificial prometendo tornar o homem obsoleto.

Sonho ou pesadelo ?

O tempo dirá.





  

segunda-feira, 1 de maio de 2023



                                   



Dias heroicos transcorrem

tontos de lucidez.

A vida caminha sem vontade para o espaço hostil,

onde a história estrebucha

em atroz lirismo.


Prisioneiro dos dias, cada instante remonta

a podridão dos remorsos.

Os passos extraviados se opõe a nudez abandonada.

No vagaroso tempo, ausente, maduro, 

recuerdos indeléveis se elevam do luto,

para glória deste amor extinto.




 

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